As imagens caíram nas redes sociais na quinta-feira (3) e a repercussão foi intensa, levantando um debate necessário: realmente a cor da roupa é relevante para formação de um indivíduo?

Azul ou rosa: a cor realmente é algo determinante para a identidade das pessoas?
Damares Alves é ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos no governo de Jair Bolsonaro. / Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Deu o que falar o vídeo em que a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, aparece dizendo a seguinte afirmação: “é uma nova era no Brasil. Menino veste azul e menina veste rosa”. A fala da ministra é ovacionada por pessoas que a acompanhavam. 

As imagens caíram nas redes sociais na quinta-feira (3) e a repercussão foi intensa, levantando um debate necessário: realmente a cor da roupa é relevante para formação de um indivíduo? 

Segundo a psicanalista Vanessa Figueiredo, a resposta é não. Em entrevista ao Dourados News nesta manhã (4) a especialista garantiu que a cor não é um significante que defina o gênero de um ser. “As cores não passam de fatores comerciais e também não podem ser utilizadas por regra”, afirma.

De acordo com a abordagem teórica assumida pela terapeuta, a identidade de gênero é dada ao indivíduo e a psicanálise reforça a necessidade desse conhecimento. “A criança precisa saber o que ela é”, justifica, porém, ela ressalta que é preciso dar liberdade ao sujeito para que este decida se identificar ou não com aquilo que lhe foi proposto. 

“A identidade biológica é um fator fundamental na identidade da pessoa, porém não determinante. É preciso dar espaço para que o próprio indivíduo decida ser quem ele é, sem repressão ou insegurança”, disse. Vanessa definiu a fala como “segregadora”.

Para a presidente da AGLTD (Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros de Dourados) e também coordenadora de políticas públicas para população LGBT, Cláudia Assunpção, a fala da ministra Damares foi infeliz. Em contato com o Dourados News, a transexual questiona à quem se destina o trabalho do governo eleito. 

“A gente precisa saber para quem eles estão trabalhando. Não tem como sermos invisíveis a vida toda, é impossível. Poxa, a gente usa o que quer, não vamos permitir imposições”, disse. 

“Não entendo esse discurso de defesa da família. Será que nós viemos de chocadeira. Eu tenho uma família tradicional e eles sofrem com tudo isso. Nós temos família também”.

NOTA DE REPÚDIO

Ontem, a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) emitiu uma nota de repúdio às declarações eufóricas da ministra. No documento a organização afirma: 

“Repudiamos todo e qualquer argumento discriminatório que, pautado em viés ideológico, religioso e que, direta ou indiretamente, questione a luta por direitos e reconhecimento da cidadania plena de nossa população. Prezada Ministra, a população Trans do Brasil vai vestir o que quiser e nas cores que desejar, pois não cabe a nenhum governo impor qual cor de roupas determinada população deve usar para ser respeitada, logo compete a esse mesmo governo respeitar as cidadãs e cidadãos brasileiros com a individualidade de cada um e com as cores e formas que desejarem vestir, usar e ousar”.

No texto ainda é questionado o compromisso da pasta. “Esquece a ministra que, defender o direito humano as liberdades é inclusive atribuição do Ministério que foi contratada para ocupar. E que este órgão público não deve ser usado para promover uma caçada ou perseguição contra determinadas populações, já estigmatizadas e vulnerabilizadas pela falta de políticas públicas”. 

No ano passado foram registradas 163 mortes de travestis e transexuais no Brasil, segundo o Mapa da Violência Trans divulgado no portal da Antra. Para a associação, discursos como o da ministra Damares reforçam a violência contra a comunidade LGBTI.

OUTRO LADO

Após a repercussão do vídeo, Damares Alves afirmou ter feito uma metáfora para criticar o que ela chama de “ideologia de gênero”. Em entrevista à Globo News, a advogada reiterou a frase e disse não se arrepender pelo ocorrido. 

Ainda durante a entrevista, Damares afirmou que "nenhum direito adquirido será violado pelo governo Bolsonaro", ao comentar sobre a adoção de crianças por casais gays.

Damares afirmou também ser possível combater o preconceito contra gays "sem dizer para a menina que ela não é menina".

"É uma questão de política pública, para que não haja exagero da doutrinação ideológica. Vamos continuar combatendo o preconceito", afirmou.

"Foi uma metáfora. Nós temos no Brasil o 'Outubro Rosa', que diz respeito ao câncer de mama com mulheres, temos o 'Novembro Azul', que é com relação ao câncer de próstata com o homem. Então quando eu disse que menina veste cor de rosa e menino veste azul, é que nós vamos estar respeitando a identidade biológica das crianças".

Um vídeo publicado no Portal Fórum mostrou um incidente desconfortável para Damares após a repercussão. Nas imagens ela é flagrada deixando uma loja de um shopping após ser indagada pelo vendedor se ela seria menina ou menino. A pergunta se deu pelo fato da ministra estar vestida com blusa azul. No vídeo ela se diz ter sido “constrangida”.