A confiança dos investidores na agenda econômica do governo brasileiro está despencando, tornando a moeda real uma das piores performances do mundo este ano, atrás apenas do dinar líbio e da libra sudanesa.

Análise: Brasil FX sofre peso do colapso da confiança dos investidores
Traders trabalham na corretora Necton após um disjuntor automático ter sido acionado duas vezes hoje na bolsa brasileira em São Paulo, Brasil, 12 de março de 2020. / Foto: REUTERS/Amanda Perobelli

Essas duas moedas têm a desculpa de desvalorizações únicas. Não é assim para o real, que estão suportando o peso da ansiedade do mercado de que o crescimento, a inflação e a dinâmica fiscal do Brasil possam em breve ir além da reparação.

O banco central gastou US$ 5 bilhões em menos de uma semana tentando atender à demanda por moeda forte. Mas o real ainda está definhando em seu nível mais baixo em três meses, perto da mínima de maio de 5,97 por dólar.

O real brasileiro caiu até 5,73 por dólar na terça-feira, marcando uma queda de 9% desde a virada do ano.

A decisão do presidente Jair Bolsonaro no mês passado de substituir o chefe da Petrobras após a gigante petrolífera estatal ter aumentado os preços dos combustíveis reacendeu a preocupação dos investidores de que a política econômica está sendo impulsionada mais pelas tendências populistas do presidente do que pela agenda de livre mercado do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Isso ocorre assim como uma segunda onda devastadora da pandemia COVID-19 leva a uma provável extensão das transferências emergenciais de dinheiro do governo para os pobres, colocando as finanças públicas esticadas sob ainda mais pressão.

A fé de que Brasília tem a capacidade ou o desejo de colocar as finanças do país em uma base mais estável a longo prazo está diminuindo rapidamente, dizem analistas.

"Se não mudarmos nossos caminhos muito rapidamente, estamos indo para o desastre. Está claro que as forças políticas não querem mudar o status quo. Todos querem defender suas próprias vantagens, mas há mais regalias do que podemos pagar", disse o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman.

O Ministério da Economia se recusou a comentar.

CHOQUE DE CREDIBILIDADE

Guedes tem insistido que os planos do governo de privatizar empresas estatais, incluindo os Correios e a empresa de energia Eletrobras estão no caminho certo e vão levantar bilhões de reais, mesmo que 1 trilhão de reais. No entanto, nenhuma empresa estatal foi privatizada sob sua vigilância.

Ele também insiste que sua agenda mais ampla de reforma econômica para reduzir o tamanho do Estado, desregulamentar e reduzir os impostos ainda tem o apoio do Congresso.

Mas alguns investidores apontam a interferência de Bolsonaro no topo da Petrobras como evidência de que a agenda de reformas está em frangalhos. Na noite de segunda-feira, Bolsonaro mexeu com taxas de combustível e impostos sobre os bancos, para seu desânimo.

A Petroleo Brasileiro S.A., como é conhecida formalmente a Petrobras, perdeu 22% de seu valor este ano. O índice Bovespa de São Paulo caiu 14% em termos de dólar, a queda mais acentuada de qualquer índice mundial.

"A interferência na Petrobras foi vista pelos mercados como muito mais do que um choque setorial. Foi um choque de credibilidade. Foi visto como um passo decisivo para o populismo e o abandono de reformas profundas", disse Drausio Giacomelli, chefe de estratégia de mercado emergente do Deutsche Bank, em Nova York.

"Há uma desconfiança incrível sobre a capacidade da coalizão governamental de ver as profundezas do problema e responder. O problema é puramente fiscal, e o Banco Central não pode resolver isso ou o problema da credibilidade", acrescentou.

A escala do desafio fiscal brasileiro agora é maior do que nunca. A dívida do governo está em um recorde de 89,7% do Produto Interno Bruto, em comparação com 75% há um ano, antes do início da pandemia.

Funcionários do Ministério da Economia alertam repetidamente que o Brasil deve voltar ao caminho da disciplina fiscal e mostrar o compromisso de equilibrar as contas no longo prazo.

Mas as previsões do Tesouro sugerem que o governo não terá um superávit orçamentário primário até 2026-27, e muitos analistas esperam que a dívida como parte do produto interno bruto continue subindo por alguns anos.

O espaço fiscal do governo é quase inexistente, com as despesas não discricionárias já representando cerca de 95% de seu orçamento. Mesmo que houvesse um desejo de compensar a extensão dos auxílios de emergência com cortes de gastos de longo prazo, não está claro de onde eles viriam.

É contra esse quadro fiscal deteriorado que o Banco Central deve agora pesar o aumento da inflação contra uma economia em desaceleração. Analistas acreditam cada vez mais que aumentará as taxas de juros de uma baixa recorde de 2,00% no final deste mês, talvez em 50 pontos-base.

"O Banco Central está em apuros. Eles terão que aumentar as taxas enquanto a economia está ficando mais fraca. É uma posição invejável", disse Schwartsman.