Acampamento com 1,5 mil famílias sem-terra já é o maior do MS

Durante os últimos cinco dias representantes da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de Mato Grosso do Sul (MST/MS), estiveram no município de Japorã (MS), distrito de Jacareí, para trabalhar a organização do maior acampamento do Estado, que começou com cerca de 300 famílias e hoje já passa de 1.500.

O acampamento se chama "José Márcio Zoia", em homenagem a um militante histórico do MST, assentado na Eldorado, em Sidrolândia - MS, que sempre participou organicamente do movimento, de setores como Saúde e Formação. Ele faleceu em novembro de 2010, deixando seu legado e sua história de muitas batalhas pelos direitos dos povos da terra.

A primeira reunião de organização do José Márcio Zoia aconteceu no ginásio municipal, do distrito de Jacareí, no último dia 18, sábado, pois o quantitativo de pessoas não cabia em outro lugar, lá os dirigentes do MST/MS repassaram como funciona a organização de um acampamento, desde o porque que a região foi escolhida para isso, até as tarefas que deverão ser cumpridas por todas para se viver em comunidade.

Segundo o dirigente do MST/MS, Jonas Carlos da Conceição, esse acampamento reacende a esperança da fundação do Movimento em Mato Grosso do Sul, no ano de 1985, quando famílias que se encontravam em situação de risco em terras Paraguaias retornaram para o Brasil sem praticamente nada. "A história de fundação do movimento em Mato Grosso do Sul começou com a luta pelos direitos dos brasiguaios, por isso estamos aqui novamente, neste município de fronteira, onde muitos ainda vivem a mesma situação daquelas famílias no passado, acreditando que ir para o Paraguai ainda é uma saída para melhorar de vida, conseguir o seu pedaço de chão e ao chegar lá se deparam com uma realidade totalmente diferente, sem titulação de terra, sem direitos e na maioria das vezes são expulsos do local", explica.

Jonas Carlos, disse ainda, que este acampamento será um marco na história do Movimento, pois além de ser o maior de Mato Grosso do Sul, resgatar a história de luta pelos Brasiguaios, ele também consolida a luta pela Reforma Agrária Popular como forma de geração de renda e sustento familiar. "Em muitos estados, como no MS, temos municípios afastados, longe das mais diversas formas de geração de renda, nestes locais existe um grande número de concentração de terra por poucos o que prejudica o desenvolvimento da própria cidade e de questões como o comércio, diferentemente de um assentamento que pode movimentar o local, os mercados, as vendas, as lojas de produtos agrícolas e assim por diante, gerar de fato renda para as famílias que ali vivem, alimentando a economia local", disse.

Para a acampada Zilda de Azevedo, de 55 anos, que está a sete anos de baixo da lona o acampamento em Japorã da um novo ânimo. "Um acampamento desse tamanho, com certeza, se persistirmos, iremos conseguir o nosso sonho de sermos assentados. Já estou nessa batalha, morando na lona, há mais de sete anos, quando soube desse novo acampamento me mudei para cá, para ajudar a organizar e renovar a minha esperança junto com a deles", afirma.

Já para o brasiguaio, Cesar Chavier, de 28 anos, o acampamento permitiu que os brasileiros que estão lutando por terra no Paraguai tivessem esperança de dias melhores. "Lá não existe direitos para nós, vamos só com o sonho nas mãos e pronto. A terra nunca vai ter documento, título e nunca será nossa de verdade, quando menos imaginamos somos expulsos. Aqui tenho esperança de ter meu pedaço de terra legalizado pelo governo brasileiro e construir minha vida e não tenho dúvidas que estar com o MST é o caminho para isso, prova disso, são os dois assentamentos do movimento na região", ressalta.

O dirigente do movimento, Jonas Carlos, também afirmou, durante a primeira grande reunião com os acampados, que na região de Japorã, que já possui dois assentamentos do MST, Jacob Carlos Franciozi e Indianápolis, existem áreas improdutivas, proprietários dispostos a vender essas terras e agora o próximo passo é fortalecer o acampamento e batalhar para que o órgão responsável, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ), assuma sua tarefa de compra e criação de um novo assentamento.

Realidade de Japorã

A cidade localizada no extremo sul de Mato Grosso do Sul e que faz fronteira com o Paraguai possui a menor renda per capita do Estado, estimada em R$ 241, e o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) também, avaliado em 0,526, do Estado. O caminho para chegar até a cidade de 9 mil habitantes é longo e misterioso. Seguindo pela BR-163, são quase 6 horas de viagem até encontrar a primeira placa que indica o acesso à estrada que leva até Japorã.

O município tem 55% da população composta por índios guarani-kaiowá que vivem na Aldeia Porto Lindo, a 35 quilômetros da cidade. O restante dos moradores são assentados do distrito de Jacareí e outros 2 mil vivem na área urbana da cidade. A área urbana de Japorã é menor do que a aldeia e o distrito.

Para o MST/MS, como dito acima, um novo assentamento no município irá proporcionar uma maior renda per capita e sem dúvidas irá elevar o IDH, possibilitando assim um maior desenvolvimento a região.

Resgate histórico

Atualmente o Movimento possui cerca de duas mil famílias acampadas por todo o Mato Grosso do Sul, com esse acampamento esse número sobe para três mil e quinhentas, morando debaixo de lonas, se organizando coletivamente. O MST possui 52 assentamentos em todo o MS e cerca de 30 mil famílias assentadas.

O novo acampamento foi montado no município de fronteira, Japorã, por um fato histórico relacionado aos cidadãos brasileiros que migraram para o Paraguai com suas famílias, os conhecidos Brasiguaios, a procura de novas oportunidades de emprego e terra. Porém esses cidadãos se depararam com outra realidade que os obrigou a voltar para o Brasil de mãos abanando.

Os brasiguaios se apresentaram as lideranças políticas brasileira no mês de abril do ano de 1985, quando aproximadamente mil famílias instaladas em um acampamento no pátio da prefeitura de Mundo Novo (MS), publicam um documento intitulado “Carta a população”, onde consta a realidade vivida por estes além fronteira e o anseio dos mesmos por adquirir um pedaço de chão em solo brasileiro. A organização do movimento se deu em terras paraguaias, quando as famílias foram cadastradas e organizadas.

Durante a reunião do 'Acampamento José Márcio Zoia', no último dia 18, a direção do MST/MS, se comprometeu a reescrever essa "Carta a população", juntamente com os acampados, retratando que a realidade dos brasiguaios não mudou e que a luta por terra continua. O documento será enviado para a direção nacional do MST e órgãos públicos responsáveis, a nível estadual e nacional.