Imerso no recém-descoberto universo das “lives”, Porchat aparece em três programas ao mesmo tempo.

A onipresença virtual de Fábio Porchat
Entrevista com Fábio Porchat. / Foto: Divulgação/Gui Machado

A quarentena em virtude do novo coronavírus fez com que muitas pessoas desacelerassem a rotina. Fábio Porchat, no entanto, foi na contramão desse movimento. Com uma cabeça fervilhante de ideias, o autor, apresentador e humorista seguiu criando ativamente nas semanas de isolamento social, seja na internet ou na televisão. Além de dar sequência aos projetos pessoais e dos trabalhos do coletivo de humor “Porta dos Fundos”, ele também está no ar com a segunda temporada de “Homens?”, do Comedy Central, comanda, ao vivo, o “Papo de Segunda”, do GNT, e também pode ser visto nas reprises da temporada de estreia do “Que História é Essa, Porchat?”. O programa chegou a gravar alguns episódios inéditos, mas precisou interromper os trabalhos por conta das medidas de distanciamento social. “Essa hiperatividade é meio quem eu sou. Eu acho que, se eu estivesse fazendo uma coisa só, eu ia dar defeito, um nó na cabeça (risos). Gosto de estar em todo lugar para falar com todos os tipos de público, falar com as pessoas das mais diferentes, ouvir os tipos de humor e exercitá-los em várias plataformas”, explica Porchat, que precisa ficar atento para não acumular projetos demais. “Fico muito feliz de estar vivendo em uma época em que é possível estar em tantos lugares, mas eu preciso ficar atento e conseguir dar conta de tudo e, às vezes, não dá, então eu preciso ficar atento para dar uns passos para trás. De vez em quando, eu não percebo isso, mas minha mulher do meu lado me cutuca e fala: ‘ó, está precisando dar uma parada’. Por isso, é importante também ouvir quem está do nosso lado para conseguir dar conta de tudo e fazer com que o público se divirta”, completa.

Natural do Rio de Janeiro, Porchat é formado em Artes Cênicas pela CAL - Casa de Arte das Laranjeiras. Na tevê, ele acumula diversas experiências na linha de shows da Globo em projetos, como “Zorra Total”, “Junto & Misturado”, “Esquenta” e “A Grande Família”. No entanto, com a criação do “Porta dos Fundos”, canal de humor para internet, Porchat enveredou seu humor para esquetes com temática políticas e sobre os comportamentos sociais da atualidade. “Acho que no Brasil se fala cada vez mais de política. Isso é muito bom. É importante dar voz às pessoas, saber o que se tem a dizer”, defende.

P – De que forma a pandemia do novo coronavírus atrapalhou sua agenda de projetos para esse ano?

R - No final desse ano tinha o lançamento do filme “O Palestrante”, que eu fiz com a Dani Calabresa, mas agora está tudo em suspenso, não sabemos mais quando vai estrear. Íamos começar a gravar agora em março/abril o “reality show” do “Porta dos Fundos”, “Futuro Ex-Porta”, para encontrar um novo ator para o grupo, mas precisamos deixar mais para frente. Atrapalhou o caminhar desses projetos, além de coisas que estou escrevendo e que estavam para começar a ser pensadas agora. Vamos esperar tudo passar para voltar a ter as reuniões.

P – Mas você tem comandado o “Papo de Segunda” dos estúdios da emissora...

R - O “Papo de Segunda” é o único programa que eu estou indo gravar lá mesmo, mas eu tenho gravado em casa esquetes para o “Porta dos Fundos”. Nós lançamos uma série chamada “Trabalhando Em Casa”, eu tenho feito “lives” no meu Instagram e no Instagram do “Porta” - chamado “Que História É Essa, Vovó”, todo domingo, às 15h, conversando com vovós e vovôs de todo o Brasil. Está sendo muito bacana! A minha rotina de quarentena continua sendo de muito trabalho: entrevistas, vídeos, gravando, fazendo muitas “lives”, escrevendo muito. É claro que mudou a minha vida, mas ainda continuo trabalhando bastante. E como todo dia virou segunda, não tem nem tempo para parar no sábado e no domingo.

P – Após a primeira temporada de “Homens?”, o que foi um acerto seguir investindo na nova leva de episódios da série?  

R - Na primeira temporada foi um acerto ter mostrado os homens como eles são mesmo, na real, sem tentar deixá-los “arrumadinhos”, sem deixar a série toda lapidada no sentido “limpa”, porque queríamos mostrar esses caras machistas. Esses heróis, na verdade, são os nossos “losers” e acho que isso foi um super acerto. Como de uma temporada para a outra na série só se passa um dia, nós quisemos continuar deixando esses homens sem noção, e acho que isso funcionou muito. Eles estão aprendendo e ainda vão ter de comer muito capim.  

P – A produção aborda o machismo a partir de um viés cômico. Você chegou a rever posicionamentos seus sobre o assunto após a série?

R - Pessoalmente, eu, Fábio, tenho de ficar o tempo inteiro me controlando. Eu cresci em uma sociedade machista. Eu sou homem, hétero, também sou muito machista. Preciso ficar atento o tempo todo. A série me fez pensar mais ainda, mas, ainda assim, preciso me ligar o tempo todo, já que a qualquer momento eu dou umas derrapadas.

P – Na atual temporada, a série trata de temas, como machismo, aborto, preconceito e traição. Como você trabalhou para a história não cair em uma militância exagerada?

R - A série é uma comédia. Não é uma “lacromédia”. Acima de tudo, as pessoas têm de achar engraçada, tem de ver para dar risada. E, além disso, a gente ainda consegue levantar uma bola, jogar luz em um tema tão importante, tão debatido nos dias que hoje, que é o machismo. E eu tentei falar por esse olhar, do próprio homem. Se perceber machista. Então, é nesse sentido que fica a reflexão. Várias mulheres me falam: “eu adorei a série, boto o meu pai para assistir, meu irmão, meu marido, para eles verem o que eles fazem”.

P – Além da pandemia do novo coronavírus, o Brasil passa por um momento político bastante conturbado. Você nunca escondeu suas posições políticas do público. Qual a importância de se posicionar politicamente nos tempos atuais?

P - Acho que no Brasil se fala cada vez mais de política e isso é muito bom. É muito ruim que haja briga, polarização, certo ou errado, mas que haja debate, eu acho fundamental e acredito que fazer política não é simplesmente defender A ou B, mas é falar de educação, cultura, como as minorias estão sendo tratadas, levantar essa bandeira. Fazer política é ser antirracista, é assumir que o Brasil é um país racista, homofóbico, que as mulheres apanham e morrem e que isso não pode mais acontecer. Não é minimizar os problemas do Brasil, é dar voz às pessoas que têm o que dizer, se colocar no lugar das outras pessoas, eu acho que isso é o mais importante hoje no Brasil, é isso que temos de aprender e é isso que eu estou aprendendo constantemente.

P – O “Que História é Essa, Porchat?” foi um dos grandes destaques da grade do GNT no ano passado. O programa, inclusive, faturou o prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de Melhor Programa de TV de 2019. Você ficou surpreso com a repercussão do projeto?

R - O “Que História É Essa, Porchat?” me deixou muito feliz, porque eu acreditei desde o início nas histórias das pessoas. Tive a ideia, criei o programa, levei para o GNT, eles compraram a história e é isso que me deixa mais feliz. É um programa simples - no melhor sentido da palavra “simples”. Extrairmos das pessoas o que elas têm de mais legal para contar, e todo mundo embarcou. Fico muito feliz de ver a repercussão. As histórias viralizam. Não precisa ser nada polêmico, uma opinião bombástica, pode apenas ser uma história divertida.

P – Você se considera um bom ouvinte?  

P - Eu gosto muito de contar e de ouvir histórias, foi também um pouco por isso que eu criei esse programa, porque eu me interesso genuinamente pelas histórias das pessoas e, no programa, eu tento fazer isso. Eu tenho de estar muito presente, porque tudo o que eu falo no programa é improviso; todos os comentários em cima das histórias das pessoas são improvisos. Nesse sentido, ter tido um “talk show” durante dois anos e meio me ensinou muito a ouvir as pessoas.

“Papo de Segunda” – GNT – Segunda, às 21h30.

"Homens?" – Comedy Central - terça, às 21h e no Amazon Prime Vídeo.

“Que História é Essa, Porchat?” – GNT – Terça, 21h30.

Adaptação necessária
A internet virou um grande canal de criação para diversos artistas durante a quarenta. E Fábio Porchat foi um dos primeiros a perceber isso. Logo no início do isolamento social, ele começou a promover uma série de entrevistas ao vivo através do Instagram.  “Eu adoro bater papo com as pessoas, porque eu me alimento dessas conversas também. Não é simplesmente entrevistar a pessoa e ver o que ela tem para dizer, é um bate papo mesmo e acho que isso tem acontecido nas lives. Fico muito feliz”, explica.

Ao longo das últimas semanas, o humorista conversou com diversos nomes das mais variadas áreas, como a comediante Dani Calabresa, a jornalista Sandra Annenberg, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a apresentadora Eliana. “Os papos com o Marcelo Tas e com o Pedro Cardoso, por exemplo, foram superinteressantes. Tem muita gente falando muita coisa boa. O Carlinhos Maia falou coisas superlegais. Tenho gostado muito das lives para entender coisas, ouvir exatamente. Eu tenho saudade de entrevistar as pessoas, mas, no ‘Que História É Essa, Porchat?’, eu já dou uma entrevistada um pouquinho. Eu me exercito assim, com essas lives que têm sido muito boas. As pessoas têm assistido, acompanhado e virou uma rotina, isso é muito legal”, analisa.

Conexão direta
Fábio Porchat não tem pudor em afirmar: se identificou com diversas temáticas da série “Homens?” durante as gravações. Durante a criação do projeto, o humorista buscou se basear no que vê no dia a dia. “Esse é o meu lugar de fala, o lugar do homem hétero. Então, eu posso falar dos nossos medos, dos nossos preconceitos, dos nossos desejos. Está tudo ali. Claro que, se eu disser que me identifico com meu personagem que ficou broxa um ano, não é legal. Mas a ideia é que tenha um pouquinho de cada homem naqueles personagens”, aponta.

Quando buscava referências para a criação dos protagonistas da série, Porchat quis que os personagens fossem bastante reais. A ideia era criar uma conexão imediata com o público. “A gente compôs os personagens para eles serem de verdade. Então, para compor os personagens, eu pedi também que os atores todos fizessem o mais real possível, porque é uma comédia de identificação, onde talvez os homens tenham de prestar mais atenção ainda para se identificar, para perceber. Já que é difícil você perceber coisas que faz de errado, não é?”, ressalta.  

Instantâneas
# Porchat é o único integrante do “Papo de Segunda” que vai aos estúdios. Os demais colegas participam do programa por chamada de vídeo.

# O ator dublou o personagem Olaf no fenômeno de animação “Frozen”.

# Na Record, o humorista comandou o “talk show” “Programa do Porchat”, que ficou no ar entre os anos de 2016 e 2018.

# Em 2017, o ator criou o “Prêmio Humor Fábio Porchat” voltado para apenas espetáculos do gênero.