Camisa 10 da seleção faz avaliação positiva. Na França, supera dores e levanta a voz como poucas vezes havia feito na carreira. Na despedida, diz temer por seu legado

A lesão, a chuteira, o recorde e o apelo: a Copa de Marta, uma rainha coroada mesmo sem título
/ Foto: Reuters

Ao acompanhar a passagem de Marta por uma Copa do Mudodá para se ter uma dimensão que, talvez, nós brasileiros demoramos para ter. Uma real noção do quanto a brasileira representa para o futebol mundial. A camisa 10 é alvo de interesse da opinião pública de diversos países e respeitada como poucas pelas adversárias, que muitas vezes fazem fila para cumprimentá-la.

Menos de um ano depois de ser eleita a melhor do mundo pela sexta vez, ela disputou sua quinta Copa. Segue faltando, de fato, o título. Mas na França ficou evidente que ela já foi coroada pelo mundo do futebol há muito tempo.
 
Não foi a melhor atuação que vimos da Marta em campo. Tampouco foi tão decisiva como em outras oportunidades com a camisa da Seleção. Mas sua passagem, foi histórica, marcante e um divisor de águas também no âmbito individual.

- Avaliação é positiva da Copa para a Seleção. Nunca me coloquei à frente de nada. Sempre falo que é um recorde para nós mulheres - disse após o jogo, complementando:

"Devido a tudo que falavam, o Brasil juntou a garra, vontade e a coragem"

- Sempre queremos disputar uma final, mas o jogo é jogado. Não faltou garra e vontade. Mas elas foram melhores nas finalizações (...)

"Acho que tudo que fiz e falei aqui nesses dias foi bem aceito pelo Brasil"
 
Desde a primeira Copa da craque, 16 anos se passaram. Tinha 17 de idade no começo e ali chamava a atenção do mundo pela primeira vez por seu talento genuíno. Sim, porque com a estrutura que se tinha no futebol feminino do país naquela época, Marta, por tudo que conquistou, pode ser considerada uma ''força da natureza''.

Foram cinco edições com emoções distintas. O Mundial mais intenso foi em 2007, com o vice-campeonato e uma atuação brilhante da camisa 10. Mas, em 2019, Marta surgiu na Copa de outra forma. Era uma postura diferente da que o Brasil estava acostumado.

Entre emoções e dores que também fugiram do seu controle, o adeus foi cedo, nas oitavas de final, com a derrota para a França na prorrogação. Mas a Rainha não passou despercebida.

As dores e o desfalque
 
Um banho de água fria logo nos primeiros dias da preparação para a Copa. Ainda em Portugal, local da pré-temporada, uma lesão na coxa esquerda a tirou por quase 15 dias do treinamento em campo. Foram até quatro sessões diárias de fisioterapia e um esforço enorme para manter o astral da equipe - que vinha de nove derrotas antes do Mundial e temia perder sua maior estrela.

O processo demorou mais do que Marta queria. Ficou inquieta no banco de reservas na estreia diante da Jamaica e jogou apenas 45 minutos diante da Austrália. Contra a Itália, saiu pouco mais de 10 minutos antes do fim. Mas foi nas oitavas, contra a França, que surpreendeu. Jogou os mais de 120 minutos de prorrogação.

Bem marcada pela defesa anfitriã, não conseguiu usar de toda sua genialidade e brilhantismo na partida. Mas ajudou o time com uma vontade incansável e superou dores e desconfianças.

O recorde: dividido com todas as mulheres
 
Marta desembarcou na França com a expectativa de quebrar mais recordes. E o fez em dois pênaltis cobrados na primeira fase da Copa - diante de Austrália e Itália. Chegou ao seu 17º gol na história dos Mundiais, o que a fez superar o recorde do alemão Klose. No discurso, dividiu os méritos:

- Esse recorde representa bastante, porque não é só a jogadora Marta, mas as mulheres, num esporte que ainda é masculino para muitos, temos uma mulher como a maior artilheira das Copas. É para todas elas - disse a camisa 10 na ocasião.

A chuteira
 
Marta jogou o Mundial com uma chuteira sem patrocínio de marca esportiva. No lugar, colocou o símbolo da campanha que pede igualdade de gênero. E essa foi uma bandeira levantada pela brasileira ao longo das últimas semanas.
 
Ela está sem contrato com qualquer empresa de material esportivo desde julho de 2018. Nos gols marcados, apontava para o símbolo em seus pés.

- O que foi proposto foi bem abaixo do que eu recebia, bem menos, menos da metade. A gente achou por bem não renovar. Muito abaixo do que a gente vê no futebol masculino. Resolvemos fazer isso então. Mais uma oportunidade de lutar pelos nossos direitos. Há uma diferença muito grande em relação a salários, e a gente tem que estar sempre lutando para provar que é capaz - disse a única atleta eleita seis vezes a melhor do mundo ao explicar seu gesto.

Além disso, chamou atenção vê-la jogando os dois últimos confrontos usando batom. Contra a França, num tom vermelho. A atleta tem contrato com uma marca de cosméticos.

O apelo por seu legado
 
Marta não era a mesma de anos atrás. Havia subido o tom no discurso por igualdade e exposto o incômodo. Na saideira, usou de sua voz para fazer outro apelo. Logo após a eliminação, direcionou as palavras para a nova geração de atletas que, em pouco tempo, terá de substituir a sua.

Ela, Cristiane e Formiga eram as únicas remanescentes do grupo que conquistou medalhas na década passada. Emocionada, ela mostrou preocupação com a continuidade de seu legado.

Marta se diz orgulhosa da seleção e faz apelo a jovens jogadoras: "Não vai ter uma Marta para sempre"

- A gente pede tanto, pede apoio, mas a gente também precisa valorizar. A gente está sorrindo aqui e acho que é esse o primordial, ter que chorar no começo para sorrir no fim. Quando digo isso é querer mais, treinar mais, estar pronta para jogar 90 e mais 30 minutos e mais quantos minutos forem necessários. É isso que peço para as meninas. Não vai ter uma Formiga para sempre, uma Marta, uma Cristiane. O futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Pensem nisso, valorizem mais. Chorem no começo para sorrir no fim – afirmou Marta, olhando para câmera, e com lágrimas nos olhos.
 
Mas nem só de lágrimas e apelos foram feitas as aparições da Rainha. A Copa de 2019 nos mostrou uma Marta irreverente. Fez piada e caras e bocas na entrevista coletiva que concedeu antes do jogo da Itália. Com a companhia inseparável de seu cavaquinho, fez esforço para manter o astral do time.

Foram dois gols. Um recorde. E uma eliminação cedo demais. Marta ainda não decidiu seus planos para o novo ciclo, mas sonha com uma nova Copa. Isso é para daqui a quatro anos. Mas mesmo passando pela França mais rápido do que se queria, ela deixou a sua marca.