Sem causa definida, transtorno bipolar pode ser controlado com o auxílio de medicamentos e terapia.

O transtorno bipolar voltou a aparecer com frequência na mídia após as recentes polêmicas envolvendo o rapper Kanye West, ícone do gênero musical e marido da socialite e empresária Kim Kardashian.
West, que já afirmou publicamente ser diagnosticado com o transtorno e se recusar a manter o tratamento médico, fez uma série de declarações polêmicas e expositivas sobre a família em um comício de pré-candidatura à presidência dos Estados Unidos e nas redes sociais.
Os tweets chegaram a acusar a mulher e a sogra de tentar interná-lo à força, para alguns dias depois pedir desculpas pelo comportamento.
Ao que tudo indica, o rapper está em crise, provavelmente passou pela fase maníaca da doença, caracterizada por um excesso de irritabilidade, energia, reação a estímulos, interpretação errada de acontecimentos, aumento da confiança, hiperatividade, entre outros sintomas.
Na série “Modern Love” (em português “Amor Moderno”) disponível no Amazon Prime Video, uma das personagens é diagnosticada com transtorno bipolar.
Para explicar ao espectador qual é o verdadeiro sentimento da fase maníaca, a atriz Anne Hathaway dança e canta como em um musical, esbanja autoconfiança e poder de sedução.
A euforia pode durar dias ou apenas horas, levando-a para a próxima fase em um piscar de olhos, uma depressão profunda sem nenhum motivo aparente.
Apesar dos exemplos famosos das celebridades ou presentes nas séries de televisão, o transtorno bipolar, também conhecido como transtorno maníaco-depressivo, ainda é cercado de mistérios e dúvidas para a população.
A principal é relacionada à causa do aparecimento da doença, ainda não definida pela ciência.
“A causa desses transtornos mentais, que a gente chama de transtornos mentais maiores, assim como para a maioria dos transtornos psiquiátricos, é o que nós chamamos de multifatoriais, ou seja, uma combinação de fatores, combinando fatores internos, fatores do desenvolvimento do indivíduo, fatores da história do indivíduo e fatores externos”, explica o médico psiquiatra e professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, André Barciela Veras.
Neste caso, a genética, o desenvolvimento precoce da criança e até o estresse podem influenciar no aparecimento do transtorno.
“Fatores internos são fatores genéticos, hereditários, fatores da gestação, fatores que a gente chama de embriológicos. Os fatores de desenvolvimento são os que ocorrem durante o desenvolvimento precoce da criança, que incluem os fatores biológicos, psicológicos e sociais, que apontam o neurodesenvolvimento do indivíduo. Já os fatores externos são os estressores, os que muitas vezes produzem as crises. São os gatilhos que provocam as instabilidades do humor, seja no aparecimento da doença ou quando ela já está instalada”, pontua Veras.
SINTOMAS
Os primeiros sintomas podem aparecer, principalmente, na fase adulta, entre 20 anos e 30 anos.
“Na maioria das vezes, no transtorno bipolar os primeiros sintomas ocorrem na juventude, na terceira década de vida, em adultos jovens, entre os 20 anos e 30 anos. Os sintomas podem começar de forma muito variada, com episódios de depressão ou com episódios de exaltação, de mania, isso é muito variável e não há como adivinhar como vai aparecer, de que forma o transtorno bipolar vai começar e em que momento”, frisa.
Basicamente, os sintomas são caracterizados pelas oscilações bruscas de humor.
“O transtorno bipolar se caracteriza pela ocorrência de fases maníacas e fases depressivas, não é obrigatoriamente necessário que ocorram fases depressivas, mas é muito frequente que elas ocorram. Fases maníacas são fases de exaltação do humor, fase em que a vitalidade e o ânimo ficam exaltados, excessivamente para cima. Na fase depressiva é o contrário disso, o polo oposto, são fases em que a vitalidade e o ânimo ficam para baixo, ficam diminuídos. No transtorno bipolar o indivíduo transita entre dois polos de humor, por isso ele é inserido dentro dos denominados transtornos do humor”, explica.
Segundo o médico, o paciente que sofre com o transtorno pode pensar mais frequentemente em suicídio.
“O transtorno bipolar é um dos transtornos mentais maiores, porque atinge uma gravidade significativa, sendo frequentemente a causa de emergências psiquiátricas. No contexto da assistência psiquiatra, frequentemente, provoca internação e demandas mais graves na assistência. Nas fases de mania, provoca muitas vezes alterações do comportamento, situações de exposição de risco, demandando, então, uma assistência mais especializada, mais intensiva”, reforça.
Nas fases depressivas, o comportamento é o oposto. A pessoa pode sentir uma enorme falta de desejo de trabalhar, estudar ou mesmo de se relacionar com outras pessoas.
“O cuidado nas fases de depressão é por causa dos riscos, pelos prejuízos no cotidiano desta pessoa, que podem se estender ao trabalho e até a tentativas de suicídio. Tentativas de suicídio, essas que também que podem ocorrer nas fases de exaltação e nas fases maníacas”, pontua.
TRATAMENTO
Não há cura para o transtorno bipolar, apenas o controle da doença.
“É uma condição parecida com a diabetes, a hipertensão. É uma condição que pode ser muito bem controlada, mas que demanda um acompanhamento e um tratamento contínuo”, frisa.
Pessoas que sofrem com o transtorno são aconselhadas a utilizar o medicamento associado à psicoterapia.
“A recomendação é o tratamento combinado, com o uso de um tipo de medicação que é chamada de estabilizador de humor, que pode ser combinado com as psicoterapias, que ajudarão também o indivíduo a se auto-observar, a identificar as suas instabilidades do corpo e se automonitorar. Esse tratamento auxilia no controle e na regulação dessas fases de mania e da depressão”, ressalta.
COMO IDENTIFICAR
Tanto a pessoa atingida quanto os familiares podem identificar a doença com o acompanhamento dos sintomas.
“Importante considerar que uma fase de mania e de depressão é um período claramente diferente do nosso período habitual. O nosso humor é caracterizado pelo nosso estado habitual de ânimo, de vitalidade. De um modo geral, as pessoas conhecem como é o seu estado habitual, qual é o seu ânimo, seu humor habitual. O lado patológico do humor é claramente distinto daquilo que as pessoas identificam como seu estado habitual. O próprio indivíduo identifica que seu humor está claramente diferente do seu habitual, e as pessoas que são próximas a ele também podem identificar”, ressalta.
No entanto, o médico esclarece que não se deve comparar o ânimo e a vitalidade de uma pessoa com outra.
“Deve-se comparar o indivíduo com ele mesmo. Nós não devemos fazer uma comparação de um indivíduo com outro indivíduo, há pessoas que são animadas, mais exaltadas, mais extrovertidas, que têm uma vitalidade maior ou menor. A identificação deve ocorrer com base nas alterações da trajetória do próprio indivíduo”, conclui Veras.