Certidões de nascimento e casamento para presos possibilitam o acesso a programas sociais e cursos profissionalizantes.

Presos enfrentam falta de registro civil para a ressocialização
Certidões de nascimento e casamento para presos possibilitam o acesso a programas sociais e cursos profissionalizantes. / Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

Nove de cada 10 detentos brasileiros não possuem qualquer documento pessoal em seu prontuário no estabelecimento prisional.

Essa foi a constatação de levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça apontou que 91,33% dos presidiários se encontram nessa situação, que afeta diretamente a possibilidade de ressocialização.

Diante dessa realidade, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR) e o Depen desenvolvem, por meio de acordo de cooperação técnica, o projeto Identidade Cidadã, que garante o registro civil a presos em 16 estados.

Coordenador do Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF) do sistema prisional da região Norte do Brasil, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o conselheiro Rogério Nascimento destaca que é habitual os detentos chegarem às unidades prisionais sem qualquer identificação. "Para quem nunca foi preso, a falta de documentos já é grave.

Para aqueles que têm contra si o estigma de terem sido presos e muitas vezes condenados por crime, essa falta é um obstáculo invencível para integração", disse.

Cidadania e registro civil
Lançado em 2014, o Projeto Identidade Cidadã permite o regaste da cidadania das pessoas privadas de liberdade através da emissão do registro civil.

"O documento permite que essa pessoa possa ter a oportunidade de participar de ações e programas que objetivem uma mudança em suas vidas", diz Rogério Portugal, presidente do Conselho Superior da Rede Ambiental e de Responsabilidade Social dos Notários e Registradores (RARES-NR), braço social da Anoreg-BR.

A ação, que já beneficiou 21 unidades prisionais, atende, em sua primeira fase, unidades prisionais femininas das capitais e unidades de regime semiaberto.

De acordo com a entidade, o trabalho se dá a partir da sensibilização e da apresentação do programa aos cartórios de registro civil e aos órgãos responsáveis pela administração penitenciária nas unidades da Federação.

m seguida, são feitas visitas às unidades prisionais de coleta dos dados dos internos para posterior solicitação da emissão do Registro Civil de Nascimento (1ª ou 2ª via) ou a 2ª via da certidão de casamento.

Sem oportunidade
Paulo* sentiu na pele as consequências de estar em unidade prisional sem possuir nenhum documento pessoal.

Hoje com 26 anos, o jovem passou cinco anos no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília/DF. Chegou à unidade com pouco mais de 18 anos, sem carteira de identidade, CPF ou Carteira de Trabalho.

No tempo que passou no presídio, não conseguiu fazer cursos nem ter acesso a projetos sociais por não ter nenhum documento pessoal. "Só depois que passei para o semiaberto fui atrás disso porque precisava trabalhar", afirma.

Juiz da 1ª Vara de Execução Penal de Curitiba, o juiz Eduardo Kino Bueno Fagundes Júnior diz que histórias como essa são rotina nas cadeias brasileiras.

"Como a massa carcerária, no Brasil, é formada por pessoas muito pobres, é bastante comum que não estejam com sua documentação.

Às vezes, porque nem portavam, às vezes, porque se perderam durante a prisão e, algumas vezes, porque nem chegaram a ter acesso a confecção do documento", diz.

Hoje, Paulo trabalha como auxiliar de limpeza em um órgão público da administração federal. Casado e à espera do primeiro filho – a esposa dele está grávida de seis meses –, ele tenta reconstruir a vida longe do crime.