Nova regra elimina exigência de aulas práticas em autoescola e promete reduzir em até 80% o custo da primeira habilitação
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) aprovou ontem uma mudança estrutural no processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ao eliminar a obrigatoriedade de aulas práticas em autoescolas.
A nova resolução, aprovada por unanimidade, permitirá que o candidato se prepare por meio de outras vias para realizar os exames teórico e prático, mantendo apenas a exigência de aprovação nas provas. O texto deve entrar em vigor após publicação no Diário Oficial da União.
A medida tem como principal objetivo reduzir custos e simplificar etapas que, segundo o governo federal, afastam milhões de brasileiros do processo de habilitação.
Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) estimam que cerca de 20 milhões de pessoas dirigem sem carteira, enquanto outras 30 milhões têm idade para tirar a CNH, mas não conseguem arcar com os custos, que podem chegar a R$ 5 mil no modelo atual. O governo projeta redução de até 80% no valor total da habilitação.
A resolução prevê curso teórico gratuito e digital, flexibilização para aulas práticas e possibilidade de acompanhamento de instrutores credenciados pelos Detrans, independentemente de vínculo com centros de formação de condutores.
O processo também poderá ser iniciado de forma online, pelo site do Ministério dos Transportes ou pela Carteira Digital de Trânsito.
Para o ministro dos Transportes, Renan Filho, a reformulação é uma política pública de inclusão. Segundo ele, o novo modelo aproxima o Brasil de práticas já adotadas em países como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, nos quais o foco está na avaliação do candidato, e não na carga horária de aulas. Ele reforça que a preparação continua livre, mas a comprovação de capacidade se mantém rigorosa.
A mudança, porém, reacende debates sobre a qualidade da formação dos novos motoristas e o impacto econômico no setor de centros de formação de condutores, historicamente responsável pela maior parte da instrução prática no País.
Entre especialistas, há quem avalie que a flexibilização pode ampliar o acesso à habilitação, mas também pode aumentar o risco de candidatos chegarem menos preparados aos exames.
Consequências para o setor
Em Mato Grosso do Sul, o setor de autoescolas afirma que a mudança pode gerar um cenário de instabilidade para empresas e trabalhadores.
O presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de Mato Grosso do Sul (SindCFC-MS) avalia que a retirada da obrigatoriedade deve resultar em demissões para equilibrar custos em empresas que, segundo ele, já operam no vermelho.
Levantamento do sindicato aponta que o setor emprega cerca de 6 mil pessoas no Estado, sendo 2.500 apenas em Campo Grande. Com o anúncio das mudanças e a discussão que antecedeu a aprovação, a procura por novas habilitações despencou entre 70% e 80%, segundo o dirigente.
Ele afirma que muitos candidatos aguardam a vigência do novo modelo, apostando em uma redução significativa de valores.
Apesar da perspectiva de queda no faturamento das autoescolas, o presidente do sindicato não acredita em uma debandada de instrutores. Para ele, muitos profissionais podem migrar para o trabalho autônomo, já que continuarão podendo credenciar-se ao Detran para acompanhar candidatos durante o processo de aprendizagem.
O setor não se opõe à diminuição da carga horária mínima de aulas práticas, mas vê risco no impacto pedagógico. Atualmente, são exigidas 20 horas de aulas, com custo médio de R$ 50 cada.
Caso o aluno necessite de mais horas para se preparar adequadamente, o valor pode subir para até R$ 150 por hora, o que, segundo o sindicato, pode tornar a habilitação ainda mais cara para quem nunca dirigiu.
A preocupação é de que candidatos sem experiência acabem pagando mais para se preparar fora do sistema atual.
Segundo o sindicato, enquanto as aulas obrigatórias funcionam hoje como uma forma de controlar preços e garantir oferta mínima de instrução, a liberdade total pode criar disparidades e elevar custos individuais. Em Mato Grosso do Sul, um instrutor ganha em média de R$ 3.500 a R$ 4.500, considerando salário fixo e comissão.
Para o setor, a mudança exigirá um período de adaptação e reorganização. Mesmo com críticas, há expectativa de que parte dos serviços especializados, como preparação avançada e aulas adicionais, continue sendo ofertada pelas autoescolas, ainda que em um mercado mais competitivo e com receita menor.
O desafio é sobreviver à transição sem perda massiva de empregos e sem reduzir a qualidade da formação de novos motoristas no Estado e no País.