Projeto prevê aumento gradual do benefício de cinco para 20 dias ao longo de quatro anos.

Licença-paternidade poderá chegar a 20 dias após 37 anos de espera
Nova fase das políticas familiares no País: ampliação da licença-paternidade, em discussão no Congresso, reforça o papel dos homens no cuidado com os filhos e na construção da igualdade dentro de casa. / Foto: Reprodução Adobe Stock

Trinta e sete anos depois de a licença-paternidade ter sido prevista na Constituição Federal, sua regulamentação finalmente começou a andar no Congresso. No dia 4 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que amplia gradualmente de cinco para 20 dias a licença-paternidade. A proposta prevê o pagamento do período em valor igual à remuneração integral.

O período da licença será implantado progressivamente ao longo de quatro anos de vigência da futura lei, começando com 10 dias durante os dois primeiros anos, subindo para 15 dias no terceiro ano e 20 dias no quarto ano.

De autoria do Senado, o Projeto de Lei nº 3.935/08 retorna àquela Casa devido às mudanças aprovadas pela Câmara, na forma do substitutivo do relator, deputado Pedro Campos (PSB-PE). O projeto original estabelecia 30 dias de licença-paternidade após transição de cinco anos, mas negociações em Plenário resultaram em um período menor, sob o argumento de dificuldades fiscais da Previdência. O impacto de despesas e perda de receitas previsto é de R$ 4,34 bilhões em 2027, quando a licença será de 10 dias. Esse impacto chegaria a R$ 11,87 bilhões em 2030, se a licença fosse de 30 dias.

De acordo com o cofundador da CoPai, aliança formada por indivíduos, empresas e instituições que atuam pela regulamentação da licença-paternidade no Brasil, Leandro Ziotto, a luta pelos 30 dias atende a estudos que mostram que a licença-paternidade estendida é benéfica para as crianças, para os homens e também para os negócios.

Organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) defendem que políticas públicas voltadas para essa fase não trazem somente benefícios individuais, mas também sociais e econômicos de longo prazo. Segundo o economista James Heckman, Nobel de Economia, cada real investido na primeira infância pode gerar até R$ 7 de retorno para a sociedade, seja em saúde, educação ou produtividade futura.

Levantamento feito pelo Boston Consulting Group e pela Ernst & Young mostra que empresas que adotam licenças-paternidade mais longas relatam aumento no engajamento e no desempenho dos funcionários: 70% das companhias registraram maior motivação entre os pais e 80% identificaram melhora no rendimento profissional.

“Ninguém é contra a extensão da licença, mas a quantidade de dias é discutida com base, principalmente, em dois pontos: que isso não é importante para o homem e, portanto, não teria impacto social, e que isso seria ruim para os negócios. A igualdade de gênero deve ocorrer também dentro de casa. O homem em casa permite que a mulher se desenvolva na profissão, reduzindo a sobrecarga sobre ela e ajudando, inclusive, a alcançar cargos de liderança. Além disso, são claros os benefícios para a criança e também para as empresas. Pesquisas mostram que, além de mais engajados, os homens que desenvolvem efetivamente a paternidade cuidam-se mais e, consequentemente, adoecem menos e faltam menos ao trabalho”, pontua Ziotto.

Políticas de cuidado fortalecem engajamento e cultura corporativa
A licença-paternidade estendida vem se mostrando uma estratégia poderosa de engajamento nas empresas que a adotam. No mesmo sentido, também ajuda a organização a se estabelecer como marca empregadora, atraindo e retendo talentos que buscam maior equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. A afirmação é do presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos – Minas Gerais (ABRH-MG), CEO da Prime Talent Executive Search e colunista do Diário do Comércio, David Braga.

“O vínculo familiar fortalecido reverbera diretamente na relação com o trabalho. Colaboradores que se sentem apoiados em momentos cruciais da vida pessoal tendem a desenvolver um senso mais profundo de pertencimento, confiança e lealdade com a organização. Vale ressaltar que este é o tipo de política que comunica, na prática, que a empresa valoriza o ser humano antes do crachá. O retorno é claro: colaboradores mais satisfeitos e emocionalmente equilibrados são mais produtivos, criativos e comprometidos. A ampliação da licença-paternidade também reforça a cultura de equidade de gênero, dividindo responsabilidades familiares e aliviando pressões sobre as mulheres, o que impacta positivamente o clima organizacional. Em um mercado em que propósito e coerência são cada vez mais valorizados, políticas como essa tornam-se diferenciais competitivos, fortalecendo a marca empregadora e atraindo talentos que buscam empresas com práticas genuinamente humanas”, avalia Braga.

O projeto de lei destaca algumas particularidades, como no caso de crianças recém-nascidas com deficiência ou de crianças ou adolescentes adotados que tenham deficiência. Nesses casos, a licença aumentará em um terço (cerca de 13e dias, 20 dias ou 27 dias, conforme a transição). O benefício será pago ao empregado que for pai, adotar ou obtiver guarda judicial de criança ou adolescente, em valor igual à remuneração integral, se empregado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou trabalhador avulso.

Uma das novidades em relação à licença-maternidade é a permissão para o trabalhador dividir, a seu pedido, a licença em dois períodos iguais, exceto em caso de falecimento da mãe. O primeiro período deve ser usufruído imediatamente após o nascimento, a adoção ou a obtenção de guarda judicial. O período restante deve começar a ser usufruído em até 180 dias depois do parto ou da adoção.

A extensão da licença-paternidade se insere na economia do cuidado, que se refere às atividades de cuidado de pessoas (crianças, idosos, doentes) e às tarefas domésticas, essenciais para a manutenção da vida e da sociedade, mas que frequentemente são realizadas sem remuneração e invisibilizadas. O conceito abrange tanto o trabalho não remunerado no âmbito doméstico quanto os serviços de cuidado pagos, mas desvalorizados, e é historicamente associado às mulheres, refletindo uma estrutura social patriarcal.

“A economia do cuidado, no século XXI, vai mudar a forma como nos organizamos como sociedade. O capitalismo precisa ser reavaliado. Precisamos olhar para os papéis parentais como fundamentais para pensar em um futuro mercado consumidor e produtor forte”, afirma o cofundador da CoPai, aliança formada por indivíduos, empresas e instituições que atuam pela regulamentação da licença-paternidade no Brasil, Leandro Ziotto.

Antecipando a regulamentação e sanção da nova lei, muitas empresas brasileiras e multinacionais com atuação no País já oferecem períodos maiores do que os cinco dias exigidos por lei até agora.

“O importante é que o movimento não seja apenas simbólico, mas parte de uma agenda consistente de valorização das pessoas. Começar devagar é válido, desde que o propósito seja genuíno e o compromisso com o futuro do trabalho, real. Afinal, o tempo dedicado ao cuidado também é um investimento no capital humano que sustenta qualquer negócio”, alerta o presidente da ABRH-MG.

Como será a ampliação do benefício aos pais

O que muda

O projeto de lei amplia gradualmente a licença-paternidade de cinco para 20 dias, com implantação em quatro etapas ao longo de quatro anos.

Cronograma previsto
• 1º e 2º anos: 10 dias
• 3º ano: 15 dias
• 4º ano: 20 dias


Impacto fiscal estimado
• 2027: R$ 4,34 bilhões
• 2030 (simulação para 30 dias): R$ 11,87 bilhões

Casos especiais
Para crianças com deficiência (biológicas ou adotadas), o período será ampliado em um terço.

Divisão do benefício
O pai poderá dividir a licença em dois períodos iguais, usufruindo a segunda parte até 180 dias após o parto ou adoção.

Contexto
A proposta faz parte da economia do cuidado, conceito que reconhece o valor social e econômico das atividades de cuidado, tradicionalmente atribuídas às mulheres.