Equipe médica do Hospital municipal Albert Schweitzer precisou improvisar para vencer a precariedade no último domingo, quando uma ventania atingiu o Rio

Grávida dá à luz em sala de parto iluminada apenas por celular durante apagão em hospital público
Raiane e Ramon com o pequeno Murilo: tensão com falta de luz no hospital / Foto: Guito Moreto / Agência O Globo

Foram 283 dias, pouco mais de nove meses, sonhando em ver o rostinho do primeiro filho . O que só foi possível graças àlanterna de um celular. A dona de casa Raiane do Nascimento Galvão Clementino, de 25 anos, deu à luz Murilo no escuro, durante um apagão que afetou o atendimento no Hospital municipal Albert Schweitzer, em Realengo, por mais de três horas, na noite do último domingo.

Eram 21h53m e a ventania que atingiu a cidade no fim da tarde ainda era muito forte quando Murilo veio ao mundo, na sala de pré-parto, iluminado pelas lanternas dos celulares do pai e da equipe médica. Só com a ajuda de outros aparelhos que substituíram o dele, no momento exato em que o bebê nascia, o militar Ramon Clementino, de 25 anos, pôde apagar sua lanterna por alguns segundos e fazer o único registro do nascimento do filho.

O hospital completava uma hora e 40 minutos no escuro. O gerador só funcionou por 17 minutos, segundo funcionários. A angústia aumentou quando, em meia hora, acabou a carga das baterias portáteis dos aparelhos de ventilação mecânica que ajudavam pacientes nos CTIs a respirar.

Raiane, agora aliviada, conta que houve muita tensão porque, em caso de complicação, não haveria recursos para socorrê-la:

— Não desejo isso a ninguém. Eu tinha contrações há três dias e estava na sala de pré-parto, desde as 8h, já sem forças. Senti medo, tudo precisava dar certo. Eu não podia ir para uma cesariana nem meu bebê para a incubadora. Não havia energia para nada. Graças a Deus, tudo deu certo.

Vacina às escuras

E, para aumentar o desespero, ela presenciou todo o corre-corre para salvar vidas.

— Os enfermeiros pediam o apoio de todas as equipes no CTI, mas eu não queria ficar sozinha. Pedi às duas enfermeiras que estavam comigo que não me deixassem. Elas não saíram do meu lado. Eu suava muito. Sem ar-condicionado, a sala ficou quente e abafada — relembra.

Enquanto o pai chorava de emoção, a mãe só conseguia agradecer ao ter o filho junto ao peito. Mas aquela fração de segundo tão esperada foi de alta ansiedade:

“Eu disse para o meu marido: ‘Não consigo ver o rostinho dele!’. Então, uma das enfermeiras que ajudavam o médico a me suturar jogou a luz do celular dela no rostinho do Murilo”

Dona de casa

— Eu disse para o meu marido: ‘Não consigo ver o rostinho dele!’. Então, uma das enfermeiras que ajudavam o médico a me suturar jogou a luz do celular dela no rostinho do Murilo — conta. — Ele é lindo!

A enfermeira pesou e aplicou a vacina no bebê às escuras. Com a volta da luz, às 23h, mais exames foram feitos, e o recém-nascido foi limpo e vestido.

— Só voltamos para a enfermaria por volta de 1h — conta Ramon Clementino, que ainda não sabe se moverá uma ação pelo sufoco.

Um paciente que estava intubado no CTI morreu. A Secretaria municipal de Saúde nega que o óbito tenha relação com a falta de luz.