A primeira audiência pública da comissão especial que discute o tema reuniu antigos e atuais gestores do setor.

Gestores apresentam dados divergentes sobre saneamento
/ Foto: Agência Câmara Notícias

Números divergentes embasam debate sobre a necessidade de investimento público ou privado no saneamento básico.

A primeira audiência pública da comissão especial que discute o tema reuniu antigos e atuais gestores do setor.

O colegiado analisa nove propostas (PL 3261/19 e apensados) que atualizam a Lei do Saneamento Básico (Lei 11445/07).

A maioria dos projetos facilita a privatização dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto, enquanto outros reforçam o papel das estatais nesse setor.

Para o ex-secretário nacional de saneamento ambiental do extinto Ministério das Cidades, Abelardo Filho, o governo Bolsonaro "manipula" dados Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), para justificar a entrega do setor à iniciativa privada.

"A Resolução 78 da Casa Civil, de 21 de agosto, fala que 103 milhões de pessoas não têm acesso a esgotamento sanitário e 40 milhões de pessoas não têm acesso à água. Isso é um absurdo.

Existe um instrumento oficial de planejamento do governo federal, que é o Plansab, que desmente isso.

Os déficits não são esses que estão sendo alardeados. Ficam extrapolando e manipulando os dados exatamente para dizer que o setor público não vai dar conta dos serviços", disse.

Divergências
Segundo Abelardo, os números do governo desconsideram, por exemplo, os domicílios atendidos por poço ou nascente com canalização interna de água e fossa séptica para esgoto.

Outra divergência: enquanto o governo cita a necessidade de investimentos de R$ 600 bilhões para universalizar os serviços de saneamento até o ano 2033, o ex-secretário lembra que o Plansab prevê R$ 357 bilhões.

Já o atual chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, Geraldo Correa, reafirmou os dados do governo.

Com base no SNIS, o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, Correa classificou de "crítica" a situação do setor no Brasil.

"Temos uma preocupação muito grande de conduzir esse debate com nível de racionalidade muito grande porque sabemos o tanto de vidas que estão comprometidas com o saneamento. Não estamos brincando com os dados de saneamento.

Os dados são feitos a partir de uma consulta aos municípios, aos titulares, às concessionárias e são retratados pelo SNIS, que é um dos sistemas de informação mais importantes do mundo. A situação de saneamento é séria.

Nós não estamos, de forma alguma, manipulando nem comprometendo dados em função de um outro objetivo", observou.

As divergências continuaram no debate entre parlamentares. Defensor do status público do setor, o deputado Zé Neto (PT-BA) deu o exemplo da estatal Embasa, a Empresa Baiana de Águas e Saneamento.

"Então, dado por dado, vamos ver o que é que está valendo a pena porque lá no estado tem muito serviço privatizado pedindo para voltar para a Embasa.

De 417 municípios, 368 têm Embasa. Vocês, do governo federal, estão com uma ideia na cabeça: 'destrói tudo que tem e vamos recomeçar porque o bom é privatizar'.

Não funciona assim em canto nenhum do mundo", disse.

Crise econômica
Por outro lado, o deputado Darcísio Perondi (MDB-RS) lembrou da crise econômica do país para defender os investimentos privados em saneamento básico.

"Na realidade, não existe dinheiro público. Existe sim dinheiro lá fora e existe dinheiro privado. Nós temos que facilitar e experimentar ou (o saneamento) vai continuar assim, andando em cima de uma tartaruga", observou.

A audiência também contou com o ex-diretor de articulação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, Sérgio Gonçalves, e o atual subsecretário de regulação e mercado do Ministério da Economia, Gabriel de Bragança.

Agências reguladoras
De forma geral, os críticos da privatização citaram exemplos de "fracasso" desse modelo no saneamento básico de Manaus (AM) e Palmas (TO) e defenderam a aprovação de uma proposta (PL 3343/19) do deputado Afonso Florence (PT-BA), com foco na atuação das agências reguladoras.

Já os defensores do aumento dos recursos privados em saneamento argumentaram que as estatais do setor costumam prestar serviços ineficientes e enfrentam contexto de aumento nos gastos com pessoal e de reajuste tarifário.

Geraldo Correa e Gabriel de Bragança defenderam a proposta (PL 4162/19) que o governo Bolsonaro encaminhou à Câmara sobre o tema.

A intenção do relator das propostas, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), é deixar o texto pronto para votação no Plenário da Câmara na segunda quinzena de outubro.