
O sonho começa ainda na infância: tornar-se dono, algum dia, da sua própria empresa. Conforme o tempo vai passando, a vida encarrega de deixar tudo no prumo certo. Faculdade, MBA, cursos sobre finanças, além do instinto empresarial típico de gente que nasce com o tino para administrar os negócios, fazem parte do combo. É sabido que toda grande ambição vem acompanhada naturalmente de expectativas, que podem ser transformadas em realizações ou frustrações diante dos acontecimentos. Agora, enquanto o terremoto político atinge o País, empresários fecham as portas na Capital, e vêem o sonho ser atingido diretamente, de forma negativa.
O primeiro trimestre de 2016 indica que os pedidos de falência aumentaram 31,6% no país em relação a 2015, conforme os dados da Boa Vista Serviços, administradora do SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito). Em Mato Grosso do Sul, 649 empresas fecharam, resultado 6,4% maior que o verificado no ano anterior. Consequentemente, o número de empreendimentos abertos diminuiu 11,5% no mesmo período, alcançando 1.387, segundo resultado divulgados pela Jucems (Junta Comercial de Mato Grosso do Sul), órgão vinculado à Semade (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico).
Os números da estatística na prática, são traduzidos pela diferença entre quem investe com planejamento e quem o faz como se fosse 'apenas mais um trabalho'. O consultor financeiro Marcos Boza comenta que existem dois tipos de investidores, os que procuram a 'oportunidade' e os que optam por 'necessidade'. “Quem vai pela oportunidade, na maioria das vezes, consegue enxergar no mercado uma forma de se lançar com alguma novidade. O investidor tende a pesquisar profundamente e guarda um dinheiro reserva no caixa. As chances do sucesso são altas", comenta. "Já a necessidade é quando o investidor “não tem outra saída”. Ele precisa investir imediato, precisa de retorno a curto prazo e não possui segurança no caixa. Se por acaso uma crise surgir, com a economia instável como vemos hoje em dia, essa pessoa quebra. Ela pode até ter feito um planejamento, mas foi raso pela urgência em estar no mercado. Precisa ter dinheiro no caixa, o retorno comercial demora um pouco. Os detalhes são extremamente importantes e os pequenos negócios sentem isso” comenta Boza.
Comerciantes
O segundo caso parece estar muito presente na atual situação do País. A comerciante Marlene Magnésio, 54, proprietária de um brechó na rua 26 de agosto, comentou que em menos de um ano, pelo menos dez estabelecimentos comerciais que ela conhece fecharam. “O centro da cidade está um deserto, minha clientela diminuiu muito. Passei por fases ruins, mas igual a essa, nunca vi. A loja sobrevive porque está tudo em liquidação” declara.
Há um mês o empresário João Pedro,24, abriu uma casa de bolos na rua 7 de setembro. O jovem, que demonstra bastante entusiasmo com os negócios, disse que fez uma pesquisa antes de inaugurar e que escolheu a localização pelo grande fluxo de gente nas ruas.''Como acabei de abrir, ainda estou sentindo as pessoas, elas estão conhecendo aos poucos. Percebo que as pessoas não estão gastando dinheiro, somente com o necessário. Agora é esperar, estou positivo, não tenho concorrentes e acredito que tudo vai melhorar” comenta.
Durante dois anos e meio o casal Edenise Gomes e Luis Fernando Sanchik, ambos contadores, administraram o restaurante Sanchik's Gourmet, que ficou famoso na região central por ser um ambiente requintado mas com preços populares. “Investimos nessa área para dar um movimento na rotina massante da vida de escritório. Trabalhava com amor, não era nem pelo dinheiro, eu realmente gostava daquele dia a dia, administrava pessoalmente com muito capricho”, relembra a contadora. Porém, os ventos da má fase econômica sopraram e o casal, a contragosto, decidiu que a melhor alternativa era baixar as portas, talvez temporariamente, talvez não.
“Fizemos um planejamento antes de inaugurar, pegamos empréstimo, reformamos o espaço e chegamos até ter uma segunda unidade. Um dos fatores que chamou bastante a nossa atenção foi a promessa da mudança do Tribunal Regional (que desde 2014 já foi adiada 4 vezes) para o centro da cidade, dizem que até agosto inaugura” comenta Edenise. “A gente trabalhava com uma vasta variedade de pratos e o preço dessa matéria-prima subiu também. Com o desemprego, nossos frequentadores, que eram em sua maioria funcionários, começara a cortar os custos e então manter toda aquela estrutura que nós tínhamos, começou a ficar inviável”, explicou a contatora. Ela tem planos de reabrir com uma nova proposta. “Logo que fechamos, encarei um luto. Os primeiros dias foram péssimos, mas não vejo com um ponto final, e sim como uma reticências. Sendo bem realista, vamos ver como vai desenrolar a situação financeira do país” acredita.
Com vários anos no mercado, um empresário do ramo de restaurantes, que terá o nome preservado, assegura que a situação de quem trabalha no setor está complicada desde janeiro de 2015. “Fechei um restaurante e vendi um bar, meu prejuízo foi de 80% e notei uma queda no movimento em todos os bares de Campo Grande. Estou voltando para o mercado corporativo, fiquei desiludido. Sobrevivi a outras crises, mas trabalhar no vermelho não dá, 2016 não vai melhorar e eu não vou pagar pra ver isso, estudei bastante para tomar essa decisão”, comenta.
Prosperidade
Em um cenário econômico negativo, fica um pouco complicado enxergar a 'luz no fim do túnel', ainda mais em um momento em que os piadistas afirmam que nem túnel existe. Mas essa poderia ser a saída, como ensina a máxima de que é na crise que se pode crescer. E não se trata só de discurso de otimistas A psicóloga positiva e hipnoterapeuta Carol Valdez defende que prosperidade é algo muito amplo e está baseada no equilíbrio da vida, uma realização em todas as esferas: na saúde, no trabalho, com amigos, amor, e dinheiro, no sentido de que ser próspero é ter tudo aquilo que você deseja.
“A crise já existia há muito tempo, mas ela estava escondida em baixo do tapete. Existem as leis da riqueza, que é o ganhar, o gastar, o economizar e o investir. O mais importante é você saber economizar. Então a prosperidade nasce na crise, é como se fosse um rio que tivesse uma nascente. A crise em chinês vem com dois símbolos, um que significa perigo e outro que significa oportunidade, é um paradoxo que mostra que nós temos que equilibrar tudo. Se você utiliza isso como uma oportunidade na sua vida, você consegue na crise, na dificuldade, criar novos empreendimentos. Só que a partir do momento que nós falamos em criação nós estamos falando em arriscar” comenta.
A mineira de Uberaba, cujo o sotaque entrega de primeira, Karina Cristino Fonseca, 28, mora em Campo Grande há 3 anos. Veio para administrar uma camisaria no shopping Bosque dos Ipês, que há um mês fechou as portas. “Foi doloroso no início, a gente sempre acha que essa situação não vai acontecer. Mas sinto um alívio agora, antes fechar do que esperar a crise intensificar, e aí o buraco financeiro seria maior”, revelou. Mesmo desempregada Karina que está procurando trabalho na área administrativa não pretende voltar para Minas Gerais. “Gosto muito de Campo Grande. A situação está difícil mas eu acredito estamos vivendo um ótimo momento para transformar. Este ano está crítico, mas as coisas vão melhorar”, acredita.
Nessa linha de pensamento otimista, a psicóloga aconselha os comerciantes a ousar. “É importante a gente arriscar e saber lidar com essa frustração, se não der certo, resignificar os fatos e aprender. Eu gosto muito do filme do Walt Disney antes do Mickey Mouse, que conta a história do Walt antes da criação da Disney. Ele teve muita frustração, faliu diversas vezes, entretanto manteve- se otimista, pensando positivo, dando a volta por cima e nunca desistindo dos sonhos. Acredito que a gente está num caminhar e esse trajeto tem desafios que nos levam a errar sim. Mas, temos a capacidade de levantar, sacudir a poeira e continuar.