Mais de 60% das instalações ligadas à produção de projéteis apresentaram sinais de crescimento em imagens de satélite entre 2019 e 2025.
Desde 2020, a China expandiu massivamente suas instalações ligadas à produção de mísseis, reforçando sua capacidade de potencialmente de competir com as forças armadas dos EUA e afirmar sua dominância na região.
De acordo com uma nova análise da CNN, baseada em imagens de satélite, mapas e comunicados governamentais, o acúmulo histórico de instalações contrasta fortemente com as dificuldades de abastecimento dos Estados Unidos.
Mais de 60% das 136 instalações ligadas à produção de mísseis ou à força de foguetes das Forças Armadas da China, que controla o arsenal nuclear chinês, apresentaram sinais de expansão em imagens de satélite.
Os complexos, que incluem fábricas, centros de pesquisa e testes, expandiram-se em mais de 2 milhões de metros quadrados de área construída entre o início de 2020 e o final de 2025.
Novas torres, bunkers e taludes, típicos do desenvolvimento de armamentos, surgiram em imagens de satélite desses locais em expansão.
Em alguns casos, é possível até mesmo ver componentes de mísseis nas imagens.
“A China está se posicionando como uma superpotência global. Estamos nas fases iniciais de uma nova corrida armamentista”, disse William Alberque, pesquisador sênior associado do Pacific Forum e ex-diretor de controle de armas da Otan.
“A China já está correndo a toda velocidade e se preparando para uma maratona”, disse Alberque.
Novos mísseis e arsenal sofisticado
Os dados revelam um esforço urgente para desenvolver capacidade de produção de mísseis novos e mais sofisticados.
Diversas instalações de produção analisadas pela CNN substituíram rapidamente vilarejos e terras agrícolas, crescendo em dezenas de milhares de metros quadrados nos últimos cinco anos.
A CNN identificou os locais analisando informações disponíveis publicamente sobre as duas principais empresas estatais de defesa da China e suas subsidiárias, e depois cruzando as informações com análises geoespaciais.
Desde que chegou ao poder em 2012, o líder chinês Xi Jinping investiu bilhões de dólares na compra e modernização de equipamentos militares.
A medida faz parte de uma ambição para transformar rapidamente as forças armadas do país, conhecidas como Exército de Libertação Popular (ELP), em uma força de combate de "classe mundial".
Xi também fortaleceu a Força de Foguetes do Exército de Libertação Popular (PLARF), um ramo de elite que supervisiona o arsenal de mísseis nucleares e balísticos da China, em rápida expansão.
Ele descreveu a força como um “núcleo de dissuasão estratégica, um suporte estratégico para a posição do país como uma grande potência e uma pedra angular sobre a qual construir a segurança nacional”.
As instalações de produção de mísseis da China abastecem quase todos os ramos de suas forças armadas, que são as maiores do mundo, com mais de 2 milhões de militares na ativa.
Testes nucleares
Na semana passada, o presidente dos EUA, Donald Trump, fez uma visita relâmpago ao Leste Asiático, reunindo-se com líderes incluindo Xi Jinping.
As discussões comerciais dominaram esses encontros, mas houve sinais de crescentes tensões em relação ao arsenal convencional e nuclear de Pequim.
Na preparação para as conversas com o presidente chinês, Trump instruiu o Pentágono a retomar os testes nucleares em “igualdade de condições” com a China e a Rússia, inaugurando uma grande mudança na política externa dos EUA, que durava décadas.
Oficialmente, Pequim e Moscou não realizam testes nucleares há mais de 25 anos. Mas Washington tem acompanhado de perto o desenvolvimento e os testes contínuos de armas avançadas capazes de transportar ogivas nucleares por ambos os países.
Enquanto isso, a China está aumentando seu estoque de armas nucleares mais rapidamente do que qualquer outra nação, elevando seu arsenal em cerca de 100 novas ogivas anualmente desde 2023, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI) em junho.
Embora expressivo, seu número total ainda esteja muito atrás do dos EUA e da Rússia, que juntos representam 90% do arsenal mundial.
Especialistas em armamento afirmam que os projéteis produzidos pelas instalações ampliadas examinadas pela CNN seriam um componente fundamental de qualquer possível tentativa de tomada militar chinesa de Taiwan, a ilha autogovernada que Pequim reivindica como parte de seu território.
Os mísseis são fundamentais para a estratégia de manter a Marinha dos EUA à distância em caso de um conflito, o que os especialistas chamam de "bolha de negação de acesso", com o objetivo de potencialmente impedir Washington de prestar auxílio a Taiwan.
O Exército de Libertação Popular (ELP) quer "criar as condições para a invasão de Taiwan", disse Decker Eveleth, analista de pesquisa associado do grupo de segurança nacional sem fins lucrativos CNA e especialista em forças de mísseis da China.
"Isso significa atacar portos, bases de helicópteros, bases de suprimentos... atacar qualquer coisa que, teoricamente, possa permitir que se leve apoio a Taiwan", disse o especialista.
“Eles querem destruir coisas no teatro e manter todo o resto de fora.”
A CNN identificou 99 locais ligados à fabricação de mísseis e descobriu que 65 dessas instalações se expandiram com a construção de novas áreas, o que, segundo especialistas, pode ter um impacto exponencial na escala da produção chinesa.
A CNN também analisou 37 bases pertencentes à Força de Foguetes e descobriu que 22 delas foram ampliadas nos últimos cinco anos.
Fujian, o terceiro porta-aviões de propulsão convencional da China • X / @ChinaMilBugle
Em dezembro de 2024, o Pentágono estimou que a força de foguetes da China havia aumentado seu fornecimento de mísseis em 50% nos quatro anos anteriores.
A análise da CNN sobre a infraestrutura para produzir essas armas indica que os esforços chineses continuaram sem cessar e fornece mais informações sobre os locais de fabricação desses foguetes.
No início deste ano, a China aprovou um aumento de 7,2% em seu orçamento de defesa, elevando o gasto total para aproximadamente US$ 245 bilhões.
Este é o quarto ano consecutivo de crescimento superior a 7% nos gastos militares, embora muitos especialistas afirmem que os gastos reais da China provavelmente sejam muito maiores do que o valor oficial.
O aparente aumento na produção de mísseis da China ocorre em um momento em que os EUA investem em sofisticados sistemas de defesa na Ucrânia e em Israel, causando certa escassez de munição e gerando debates em Washington sobre como e onde implantar suas armas de alta tecnologia.
Embora ainda seja capaz de abater mísseis chineses, especialistas alertam que os problemas de abastecimento do Pentágono, juntamente com o esforço de Pequim para desenvolver mísseis mais avançados, representam uma ameaça crescente aos interesses dos EUA.
As conclusões da CNN também sugerem que a produção de mísseis da China aumentou drasticamente em resposta à invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, considerada um momento decisivo na segurança global.
Segundo uma análise de imagens de satélite da CNN sobre a área construída, Pequim quase dobrou a taxa de expansão de seus locais de produção de mísseis nos dois anos que se seguiram ao início da guerra.
“Eles estão observando a Ucrânia com muita atenção”, disse Alberque.
“Eles estão assistindo a combates reais entre duas forças muito capazes, com as tecnologias mais modernas, frente a frente, e estão tomando notas detalhadas”, acrescentou.
Lições de guerra
Soldados no desfile militar que marca o 80º aniversário da vitória sobre o Japão e o fim da Segunda Guerra Mundial, na Praça da Paz Celestial, em 3 de setembro de 2025, em Pequim, China. • Lintao Zhang/Getty Images
O Exército Popular de Libertação (PLA), que não se envolve em combates desde um breve conflito com o Vietnã em 1979, extrai lições de conflitos em curso.
O ataque aéreo da Rússia à Ucrânia demonstrou que a maneira mais eficaz de atingir alvos sensíveis é sobrecarregar os sofisticados sistemas de defesa aérea ocidentais com munições mais baratas, como drones, permitindo que mísseis balísticos mais potentes atinjam seus alvos, afirmam especialistas.
Isso exige um aumento na produção de mísseis, tanto baratos quanto caros.
Segundo Alberque, a China acreditava anteriormente que precisaria de 5 ou 10 mil mísseis para derrotar Taiwan.
Após a invasão da Ucrânia pela Rússia, as estimativas de Pequim aumentaram exponencialmente, acrescentou ele.
O Exército Popular de Libertação, contudo, não está isento de dificuldades.
Uma campanha anticorrupção generalizada e contínua nos altos escalões das forças armadas chinesas tem levantado questionamentos sobre a real capacidade de combate do país.
Diversos oficiais militares de alta patente com ligações à Força de Foguetes, incluindo dois ex-ministros da Defesa, foram afastados de seus cargos apenas nos últimos dois anos, com relatórios oficiais sugerindo corrupção relacionada ao aumento da aquisição de armas pelo Exército Popular de Libertação.
“Acho que eles identificaram isso (a corrupção) como algo que realmente representou grandes riscos para a confiabilidade política e, em última análise, para a capacidade operacional do PLA”, disse um alto funcionário da defesa dos EUA em dezembro.
Informações dos dois maiores conglomerados estatais de defesa da China – a China Aerospace Science and Technology Corporation (CASC) e a China Aerospace Science and Industry Corporation (CASIC) – formaram a base da análise da CNN, que examinou uma série de documentos governamentais para localizar os locais, que de outra forma estariam ocultos.
Essas empresas, e suas subsidiárias, produzem a maioria dos foguetes e mísseis convencionais e nucleares do país.
Embora Pequim utilize codinomes para ocultar alguns de seus projetos militares, a pesquisa da CNN revelou – e posteriormente identificou – os locais.
Por exemplo, um comunicado do governo divulgado no início deste ano fez referência a um projeto de construção na província de Shaanxi, pertencente à 4ª Academia da CASC, amplamente conhecida como a principal contratada para foguetes de combustível sólido.
Outros comunicados do governo mencionaram o tamanho e a localização aproximada da construção.
Com base nessas informações, a CNN conseguiu determinar as coordenadas exatas do local.
Embora o projeto ainda esteja em fase inicial, imagens de satélite já mostram a construção de muros de contenção, semelhantes aos vistos em outras instalações de produção de mísseis.
Para todos os locais, a CNN mediu a área adicional construída por ano desde 2020 e analisou as instalações específicas observadas em imagens de satélite para determinar sua finalidade.
Especialistas afirmam que a área construída adicional pode desencadear um crescimento potencialmente exponencial na capacidade de produção de certos mísseis.
Alguns dos locais examinados pela CNN apresentam indícios visuais menos óbvios que os ligam à produção de mísseis.
No entanto, as evidências de seu envolvimento, baseadas em sua propriedade, parcerias ou na natureza frequentemente secreta de suas localizações, deixaram claro que pelo menos parte de sua finalidade está relacionada a armamentos.
O crescimento dos sistemas de mísseis da China tem preocupado especialistas em controle de armas, que alertam para o fato de isso estar remodelando a segurança global.
"Acho que já existe uma guerra fria", disse David Santoro, presidente e CEO do Pacific Forum, um instituto de pesquisa de política externa com foco na região da Ásia-Pacífico.
"Ela se estende a todos os domínios e o risco é que se transforme em uma guerra aberta", acrescentou.
A CNN solicitou um posicionamento do Ministério da Defesa da China sobre as conclusões da pesquisa.