Do lado de lá, um corte de bilhões, ameaças políticas, tentativas de censura.
Tem algo de irônico – e simbólico – em abrir o computador em São Paulo (SP) para estudar na universidade mais prestigiada do mundo, enquanto o próprio governo dos Estados Unidos da América tenta deslegitimá-la. Do lado de cá, o café esfriando, a aula começando, o módulo sobre liderança responsável.
Harvard formou mais de 150 vencedores do Nobel. Criou presidentes, descobriu vacinas, desafiou injustiças. E agora, neste ano, precisa lutar para existir como sempre foi: livre. O curso que faço – o Climb, da Harvard Business School – forma lideranças para o futuro. E o que eu não esperava era viver esse futuro no meio de uma guerra ideológica que tenta sufocar o pensamento crítico, a diversidade e a autonomia institucional.
Nos últimos meses, o governo Trump suspendeu todas as bolsas federais para Harvard. Estima-se um impacto direto de até US$ 9 bilhões. Não se trata apenas de dinheiro. Trata-se de um recado. Uma tentativa de deslegitimar uma das instituições mais influentes e respeitadas do planeta. Harvard foi acusada de não combater o antissemitismo, de discriminar conservadores, de abandonar a excelência acadêmica. Mas o que está em jogo não são as acusações em si: é o poder de calar vozes incômodas.
Como aluna, mesmo a milhares de quilômetros de distância, senti o impacto.
O clima entre os colegas mudou. Estudantes estrangeiros passaram a evitar estágios fora dos EUA, com medo de não conseguirem voltar. A universidade, pressionada, passou a revisar departamentos, discursos, estruturas. Há medo, há tensão... e há resistência.
Estar em Harvard agora é ver de perto o que acontece quando o conhecimento incomoda. É viver a experiência de uma instituição sendo atacada por fazer justamente o que se espera dela: questionar, provocar, avançar.
Ser brasileira nesse contexto torna tudo ainda mais vívido. Porque nós, aqui, sabemos o que é lutar por educação.
Sabemos o que é ver instituições sendo desacreditadas por narrativas que reduzem tudo a ideologia. E sabemos, também, que a história é escrita por quem não abaixa a cabeça.
A Harvard que frequento não é aquela das séries de televisão nem dos filmes sobre gênios solitários. É feita de gente real – brilhante, comum, diversa – tentando, a cada aula, entender como liderar com ética, visão e responsabilidade. É a Harvard que, mesmo sob ataque, segue ensinando. Não porque é fácil, mas porque é necessário. E eu sigo com ela. Porque é nas trincheiras do conhecimento que o futuro se constrói.