Casamento foi marcado às pressas pelo pai da noiva, mas Catarina e Armindo estão juntos há 60 anos "aos trancos e barrancos" mostrando que o amor supera tudo

Com AVC às vésperas das bodas de diamantes, Armindo fez questão de manter festa
Para Catarina foi amor à primeira vista, já Armindo se apaixonou pelos olhos de mel e beleza da futura esposa / Foto: Cláudio Costta

Troca de olhares entre Catarina de Almeida, 78 anos, e Armindo Gonçalves, de 83 anos, transborda uma serenidade característica de quem conhece um ao outro há quase uma vida inteira. Conta a história dos dois que, neste mês de dezembro, completam 60 anos de casado com festança que nem a sombra do AVC recente de Armindo foi capaz de cancelar.

O casamento foi realizado às pressas, por impulsividade do pai do noiva, que marcou a data com apenas 1 mês de noivado. Mas ao contrário do que dizem por aí, nesse caso a pressa não foi inimiga. As imperfeições da vida real só fortaleceram o amor, contra qualquer expectativa.

Catarina conta que nunca foi do tipo que sonhou em se casar, era uma “mocinha metida” que trabalhava como doméstica aqui em Campo Grande quando mais nova, onde morava para estudar no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. Mas tudo mudou quando conheceu Armindo em Miranda, durante uma visita a casa dos pais.

Ele é de Aquidauana, mas na época servia ao Exército e morava em Miranda. Amigo de um primo de Catarina, os dois se viram pela primeira vez na praça da cidade, para ela foi amor à primeira vista, já ele se encantou pelos olhos cor de mel e beleza única da moça, sem nem imaginar que “daria no que deu”.

Em outubro de 1958, Armindo decidiu pedir a mão de Catarina em casamento, mas com a rotina de “gente antiga” do pai da noiva, levou quase 2 semanas para conseguir o consentimento, que só veio com intermédio da mãe da noiva. “Como meu pai tinha costumes daquela época, nós respeitavamos muito a rotina dele, ele acordava cedo, ia trabalhar, voltava para casa para almoçar e tirar um cochilo, depois levantava, colocava o chapéu na cabeça e voltava para o trabalho, então nunca conseguimos falar com ele, foi a minha mãe quem deu a benção”, relembra.

Quando tudo já estava acertado com a família, rumores sobre o passado de Armindo começaram a correr na cidade. Ele conta que por ser muito novo na época e um pouco irresponsável também, já havia ficado noivo de outra moça antes e acabou rompendo o compromisso "por não estar preparado". Influenciado pelos rumores, o pai de Catarina, depois de uma noite no bar, foi ao cartório e marcou a data do casamento para o mês seguinte, para o noivo não ter tempo de mudar de ideia.

O vestido de noiva foi simples, mas feito pela madrinha com muito carinho e o resto correu como o pai queria, em tempo hábil para o noivo não desistir.

Armindo passou a trabalhar em uma marcenaria e colocar em prática o aprendizado da adolescência, ele fez parte da primeira turma do curso de marceneiro no Senai aos 13 anos. Escolha de vida que para ele foi “acertada”, uma vez que todos os colegas de escola se inscreveram no curso de mecânica, ele vendo a demanda, resolveu seguir o caminho contrário e ser o que ninguém queria ser. Anos mais tarde, chegou a encontrar pela rua os antigos amigos e grande parte não havia conseguido emprego na área de mecânica, ao contrário dele que se orgulha de ter conseguido trabalho logo na primeira marcenaria que entrou.

“Eu não tinha nem a idade e nem concluído o ensino básico, que eram requisitos do curso, mas a diretora do Colégio Miguel Couto, Oliva Enciso gostava muito de mim e me ajudou a fazer o curso profissionalizante”, conta. Desde então a única pausa na carreira foi para servir o exército e conhecer Catarine, depois da baixa ele passou a se dedicar a marcenaria, construindo e montando móveis sob encomenda.

Em busca de uma vida melhor, o casal veio para Campo Grande há 51 anos, onde desde então mora na mesma casa. A construção começou com uma casinha pequena de uma peça e uma oficina ao lado para Armindo trabalhar. Enquanto ele conseguiu finalmente ser dono do próprio negócio, Caratina ajudava nas contas da casa trabalhando como copeira no Tribunal Superior de Contas de Mato Grosso do Sul, onde foi uma das primeiras funcionárias e só se aposentou depois de 22 anos de serviço.

Conforme a situação financeira ia melhorando, os cômodos foram aumentando até caber toda a família, que também cresceu naturalmente e hoje são 5 filhos, 14 netos, 26 bisnetos e 1 tataraneto. “A casa era pequena e hoje é até grande demais, com os filhos crescidos, ficamos só nós dois, mas ainda tem as visitas e os fins de semana, quando isso aqui fica cheio de novo”, conta Catarina.

A sintonia dos dois é tão grande, que Catarina relembra os dias em que ligava do trabalho dizendo para o marido que queria comer carne assada e ele já estava com a carne no forno, antes mesmo de ouvir o desejo da mulher. Situações como essa são comuns até hoje para os dois, que fazem de tudo juntos, inclusive viajam com bastante frequência pelo programa Universidade da Melhor Idade (UMI), onde estudam juntos.

Duro na queda, Armindo conta que nunca ficou um único dia de cama na vida, quando mais jovem, mal pegava um resfriado. Situação que mudou cerca de dois meses atrás, quando durante uma visita ao genro que estava no Hospital Regional, Armindo sentiu uma tontura forte e dores de cabeça paralisantes, a primeira onda de dor passou e logo em seguida veio a segunda, momento em que deixou de controlar o próprio corpo e precisou ser socorrido. Pela primeira vez, já aos 83 anos ele enfrentou um problema sério de saúde: um AVC.

A festa de comemoração dos 60 anos de casamento já estava marcada, todos os preparativos haviam sido feitos, mas a família enfrentou o momento mais sombrio em muitos anos, o risco de perder Armindo, que passou as primeiras 24 horas sem abrir os olhos e nem falar, depois precisou ficar 10 dias internado, tomando antibiótico na veia a cada 15 min, com os movimentos, fala e memória restritos.

Catarina diz que, apesar de confiar em Deus, nunca teve tanto medo de perder o companheiro de vida e único amor. Uma bobagem para Armindo, que diz saber o tempo que iria se recuperar e proibiu a família de cancelar a festa de bodas de diamante. Uma certeza que se mostrou verdadeira, depois da alta e algumas sessões de fisioterapia, ele já está em pé de novo, sem sequelas e pronto para dançar ao lado da esposa e da família a noite toda.

Olhando para os dias passados, Catarina e Armindo dizem ter uma rotina normal de casal, “aos trancos e barrancos”, quando o mais importante é saber resolver as coisas, meio contrariado, ele confessa ser o mais “birrento” e teimoso dos dois, enquanto ela até costuma guardar alguns ressentimentos, mas tudo por pouco tempo. Os dois fazem de tudo juntos além de dividir também a fé, frequentando juntos a igreja católica. Para eles, Deus foi fundamental em tantos anos de casamento e em todas as dificuldades enfrentadas.