Profissional, agora aposentada, disse que atendia de 40 a 55 mulheres vítimas de violência ao dia e fez "muito marmanjo" limpar chão da delegacia.

Aos 72, delegada ainda tem fama e é reconhecida por
Delegada aposentada em MS atuou por 9 anos na linha de frente com agressores de mulheres / Foto: Redes sociais/Reprodução

O nome era tão forte que até hoje ainda ecoa como referência para os delegados que passam pela academia, em Mato Grosso do Sul. Aos 72 anos, a delegada aposentada Zenóbia da Silva Pedrosa contabiliza histórias de nove "intensos" anos, como sendo a profissional que inaugurou a 1ª Delegacia da Mulher, no dia 25 de abril de 1986. De lá para cá, veio o apelido de "sargentona", algo que não a incomoda, pelo contrário, a fez ganhar o respeito de muito marmanjo agressor de mulheres.

"A delegacia ficava na região central, na rua 14 de julho com a 7 de setembro. Foram as primeiras salas de atendimento à mulher e tudo começou porque um grupo de mulheres começou a se mobilizar e então foi criada a 1ª Delegacia da Mulher. Eu me formei na academia em 1985 e, em seguida, atendia estas vítimas e logo fortalecemos o pedido junto ao governador e o secretário na época. Aos poucos, o corpo de policiais foi ampliando e todos fizeram um excelente trabalho", afirmou ao G1 Zenóbia.

Na época, a delegada fala que os casos de feminicídio eram raros. "Eu ainda tenho os dados muito claros na minha memória. Foram apenas dois no período em que eu fiquei lá. Mas, infelizmente atendi muitas mulheres com o nariz quebrado, além de outras partes do corpo. Os casos de lesão corporal leve e grave era o que eu mais atendia, porque muitas ficaram confiantes em denunciar. Nossa média era de 40 a 55 mulheres atendidas por dia, envolvendo não só a parte psicológica como de assistência social. Outro projeto proveitoso era nossa parceria com o alcoólicos anônimos, para manter os parceiros fora da bebida", relembrou.

Com o passar do tempo, a sede mudou de endereço na capital sul-mato-grossense e outras cidades do estado, como Corumbá, Dourados, Três Lagoas e Coxim receberam unidades voltadas a este público. "Eu participei de todas as inaugurações e soube que muitos homens morriam de medo. Eu realmente passava uma imagem de respeito a eles e ouvi, várias vezes, nos corredores: vê se não vai dar uma de Zenóbia agora, ou então, olha lá a sargentona. Isto nunca me incomodou, o que interessava era eles entenderem a gravidade e as mulheres se sentirem protegidas", comentou.

Entre outras parcerias feitas na época, Zenóbia ressalta a parceira com o Poder Judiciário. "Hoje eu vejo muito a questão da prestação de serviços. Na minha época, após sugestão de um juiz no qual eu não me lembro o nome, porém, sou muito agradecida, nós perguntávamos ao preso:

Qual é a sua profissão? Se ele dissesse que era pedreiro, a gente arrumava uma parede pra conversar e até quebrava uma para ele fazer de novo, se precisasse. Lembro de muitos limpando o chão da delegacia e vendo outras mulheres vítimas de agressores chegando", afirmou.

Atualmente, a delegada comemora a inauguração da Casa da Mulher Brasileira, em Campo Grande, assim como tantos outros projetos voltados à elas. "O que acontecia é algo que até hoje sabemos que ainda ocorre. As esposas falavam eles eram excelentes pessoas quando não bebiam e, em quase todos os casos, continuavam porque estes homens garantiam o sustento da casal. Só que hoje as mulheres possuem um local para passar um tempo com os filhos, conseguem fazer cursos e encaminhamento ao mercado de trabalho", disse.

Um destes casos, ainda conforme Pedrosa, é o de uma vítima que ela ainda lembra o desespero.

"Era uma tarde chuvosa, ela chegou na delegacia com as crianças chorando. Uma estava no colo, outra na barriga e outras de mãos dadas com ela. A mulher disse que o marido a havia espancado. Eu entrei na viatura e o encontrei dormindo em casa, em uma rede balançando. O homem foi preso, disse que "perdeu a cabeça" e eu disse que era ele quem ficaria inseguro durante as noites, a partir daquele momento", comentou.

Formada em Direito no ano de 1977, Zenóbia também integrou a 1ª turma de delegados do estado. "Fiquei em São Paulo por 15 dias, onde também foi inaugurada a 1ª Delegacia de Mulher lá. O engraçado nisto tudo é que eu nunca me casei. Eu tive os meus namorados claro, os meus amores, as minhas frustrações e por isso acho que entendia tanto as mulheres. Em 1992, após tanto tempo com aquele trabalho, tive vontade de me dedicar as minhas duas filhas. Eu sempre fui pai e mãe delas", afirmou.

Atualmente, Zenóbia fala que o melhor papel que exerce é o de avó. "Fui mãe e psicóloga de muitas mulheres, ao mesmo tempo. Eu tinha amor pela profissão, muita responsabilidade. Hoje me dedico aos netos e três cachorros. Acordo, faço caminhadas, sou uma pessoa muito ativa e que faz um bolo delicioso para eles", brincou.

Com tanta experiência, a aposentada fala que o que a entristece é o machismo que ainda persiste, mesmo depois de tantos anos. "O crime virtual, a droga e a fraqueza da mulher aumentou muito. Ela precisa ser mais esperta ao marcar um encontro, por isso o assunto deve ser discutido em casa, desde quando a criança é pequena. Um bandido pode muito bem vestir um terno e sair enganando por aí. O homem não tem uma estrela na testa e nem a mulher uma bola de cristal. Eu ainda acredito que muitos jovens querem um amor, algo por muito tempo, eterno, mas o ciúme estraga muita coisa", lamentou.

Atuante no sistema penitenciário, tanto em presídio como em Unidade Educional de Internação (Unei's), Zenóbia fala em educação esfarelada. "O crescimento de uma pessoa, em uma lar sem estrutura, é muito complicado. Não são todos que vão por este caminho, porém, quando os pais aprontam a tendência é muitos seguirem este caminho. Eu perguntava ao jovem internado: Cadê os seus pais? E eles diziam: Estão lá em cima e eu estou fazendo de tudo para ir pra lá também. A violência, infelizmente, aumentou muito e em todos os níveis", finalizou.