Dr. Cícero relata sobre a ASSUMA e destaca história da classe universitária de Maracaju

Quando eu ainda era bem jovem, ouvi de um ancião que a pessoa sabe que está ficando velha quando sente saudades e conta historias. Se é assim, tenho que admitir que sou velho e agora sinto saudades e conto histórias, dentre elas uma específica, assim:

O sol escaldando ao meio dia, uma enxada e: creco... creco...creco.... A poeira que levantava em poucos instantes desfigurava aquele indivíduo suado e ainda jovem. E creco... creco...creco.....

Passa um automóvel na rodovia. O rapaz para, dá uma olhada, coisa de louco. Um dia ainda vou comprar um. Mas quanto custa? Cálculos..... não dá! A roça não dá para tanto.

Uma motocicleta. Velha mas uma motocicleta! Urra! Que maravilha de máquina...pó...pó...pó...pó.... Já pensou? A Matilde na garupa.... Arre!

Diacho! até quando vou fazer isto? Esta coisa de mato na roça não acaba nunca. Esta vida não tem futuro. É preciso dar um jeito. Ou caio fora ou estou perdido.

Coragem. Mala. Mundo. Os primeiros dias horríveis. Adeus mordomias não valorizadas: cafezinho da mamãe pela manhã - pão caseiro, bolo, doces, salame, frutas - os trocados do papai aos fins de semana ou quando fosse necessário (ele muito trabalhador e organizado, sempre tinha algum). etc....

E meu cavalo de estimação? O “pedrês”. Enorme e bom de sela, que papai me dera arreado e de presente quando completei 16 anos. Era de longe, o cavalo mais bonito da colônia (uma espécie de manga-larga marchador). E quando eu o riscava em galanteio perto da casa do seu Quintana, o pai da linda Matilde. Ufa!

Agora era o outro lado da história: eu e o mundo, o mundo e eu! A dura constatação feita pelo aventureiro com 18 anos e para cuja dimensão de pensamento a vida abastada do sitio parecia ruim e sem futuro.

A dupla sertaneja Tião Carreiro e Pardinho tem uma “moda de viola” intitulada “Passagem de minha vida”, onde em uma estrofe diz “ ...vim sem destino fiz como um pássaro. Que quando dá uma tempestade ele perde o ninho e vaga no espaço....”. Isto sempre me traz à lembrança o episódio inicial que estou contando aqui.

Saudade...!? Não. Não vou voltar, Fica feio! Sou nordestino. Morro e não volto atrás. Um cabra assim como eu não passa de volta pelo mesmo caminho, nem que me dane. Aguenta coração: adeus Matilde.

Vieram os primeiros meses, os primeiros anos. Porém logo de início entendi que deveria estudar. Estudar como? Só rico estudava naquela época. Por aqui não tinha faculdade. Bem, vou em frente, trabalho durante o dia à noite estudo o ensino médio. O resto Deus fará.

E nessa perlenga, sempre me esforçando, aprendi muitas coisas úteis. Estive no Exercito, no Batalhão de Engenharia, fui mandado e concluí um curso especial, para sargento e fui aprovado. Porém a vaga seria em Porto Velho, e eu queria estudar. Não tive dúvidas. Pedi baixa.

Consegui emprego em um banco, em Jardim. Naquela época os lançamentos eram feitos em fichas de papel, com máquinas Burroughs, tocadas a manivela, isto por falta de energia elétrica com torque suficiente para mover a geringonça. Era trabalho duro.

E assim fui evoluindo, devagar e aos poucos.

Já em Maracaju, certo dia, na barbearia do Valbran,  um saudoso amigo, (ficava ali na 11 de junho, se não me engano, onde hoje tem a loja de produtos naturais Girassol), encontrei o Nelson Dias Neto.

Conversando me disse ele com entusiasmo. – Estou estudando Direito.– Onde? Perguntei. – Em Dourados, na Socigran.

Arre! Era o que eu também queria. Foi a gota d’agua. Dali um ano, também lá estava eu, já então junto com um grupinho pequeno de estudantes universitários de Maracaju, dentre os quais me recordo: Nelson, Celi, Orlando Jacobem, Willi Campestrini, José Roberto, Adersino, Eudóxio, nossa querida Tamara (digna esposa do médico Dr. João Henrique), Isto foi a partir do inicio de 1979.

As idas para Dourados eram diárias, sempre em “condução” própria (o adjetivo é porque certa época eu tinha uma brasília velha, que meu amigo Mário Aniz - Juiz de Paz do qual eu era escrivão de casamentos - em tom de brincadeira, chamava de “a sua condução”).

Cada ida às aulas era combinada. Quem vem amanhã? Quem vem com quem? E assim a gente ia frequentando a faculdade.

O primeiro Prefeito a se preocupar com os estudantes para Dourados foi o Prata. Sempre dava alguma gasolina ao grupo, nem tão pouca, porém não toda necessária. Mas já era uma ajuda e tanto.  

As estradas eram totalmente de terra e de conservação precária. Quando chovia, nossas “conduções” dançavam qualquer coisa no barro: Tango, bolero, zerinhos, marcha – do - atoleiro, etc... Porém sempre chegávamos, às vezes um tanto diferentes pelos salpicos de barro e roupas úmidas, mas chegávamos.

Logo no inicio do ano de 1979, resolvemos criar uma associação. Peguei uma máquina olivetti e, na sexta-feira santa daquele ano - isto mesmo: sexta feira santa - fiz o Estatuto da ASSOCIAÇÃO DOS UNIVERSITÁRIOS DE MARACAJU – ASSUMA, até hoje registrado no Cartório local.

Na verdade, o Nelson Dias Neto, foi o primeiro acadêmico estradeiro Maracaju/Dourados e também o primeiro Presidente da Associação dos Estudantes Universitários de Maracaju, cujo objetivo era viabilizar  meios para o grupo ainda bem pequeno e hoje de dimensão formidável e bem representado pela AUNIMAR, na pratica uma sucessora de nossa pequena Assuma e realizando os nossos sonhos daquela época.

Era então governador o Eng. Marcelo Miranda. Em uma de suas vindas a Maracaju, o Prata nos arranjou uma audiência com ele.

Fui o porta voz do pequeno grupo entusiasmado e presente, com a finalidade de conseguirmos um ônibus ou qualquer tipo de ajuda.

Diante do Governador, soltei a língua, mais ou menos assim:

 “- Senhor Governador. Somos um grupo de universitários de Maracaju estudando em Dourados, na Socigran. Criamos uma associação e temos muita dificuldade para comparecer às aulas diante da falta de transporte e meios. Estamos aqui reivindicando um ônibus para o transporte de estudantes ou qualquer outro tipo de ajuda. O grupo está crescendo, isto é importante para Maracaju....”.

Ouviu em silêncio e ao final, com poucas e frias ponderações, disse em tom irônico. – Ah. Estudante é esperto. Estudante se vira...! Acho que em virtude daquela época, o nobre Governador não entendeu a importância de nosso ideário em termos de futuro.

Nunca esqueci a frustrante incompreensão que recebemos naquele momento. Ficamos mesmo só com a pequena ajuda do Prata, dentro das possibilidades do Município já que nossa Associação não era reconhecida para fins de receber recursos oficiais. Isto é um item muito importante, já que o reconhecimento pode facilitar obtenção de verbas que geralmente existem e às vezes em quantias bem generosas.

Felizmente, apesar das dificuldades ainda existentes, tenho informações que atualmente o poder publica está bastante atento ao assunto. A ideia inicial não foi em vão, porque defendida com empenho pelos que nos sucederam durante as décadas.

Hoje, vejo a AUNIMAR. Jovens estudantes prosseguem mudando a perspectiva, não só pessoal quanto da região. São diversos ônibus conduzindo em rodovia asfaltada. Sempre que estou em Dourados aprecio ir à Unigran no horário de movimento. Peço um café ou lanche, e fico olhando em silencio. Os comparo a um enxame de abelhas: Chegam, se carregam de conhecimentos e retornam aos ninhos. Parece que nada se altera porem a mudança na região é enorme.

E assim, exercitando a lembrança, contando a história, e remexendo na saudade, lembrei-me de escrever estas linhas, para: recordar os sacrifícios daquele início: aqueles pioneiros que iniciaram a jornada; a fundação da ASSUMA (o estatuto está no Cartório do 1º Oficio local); os companheiros que somaram as forças na tarefa então nada fácil; reverenciar aqueles que trouxeram a Socigran para Dourados (Prof. Boris Grinberg, Dr. Murilo, Deputado Ivo Cersózimo) e os homens públicos que souberam e sabem estimular este tão importante seguimento que é o Ensino Superior.

Em especial homenagear os estudantes que prosseguem na trilha aberta com tantas dificuldades naqueles idos de 1979, lembrando que também com sacrifícios e esforços eles carregam a bandeira e fazem  a diferença. A estes ouso um conselho ligado ao dia à dia:

Lembrem-se que uma abelha carrega pouco pólem de cada vez, mas o resultado é conhecido pelas muitas toneladas de mel

 

CICERO JOÃO DE OLIVEIRA

ADVOGADO OAB MS 3316